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Fortaleza, Ceará, Brazil

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Capítulo Sete - A Fuga

AS IMAGENS PASSAVAM RAPIDAMENTE PELOS SEUS OLHOS. Ele estava voando em uma velocidade muito alta e desviava de árvores e montanhas com extrema leveza. Era noite de lua cheia e os uivos dos lobos passavam por seus ouvidos enquanto Lycan sobrevoava a floresta do Distrito da Terra.
De repente, um cenário diferente quebrou a monotonia das árvores. Luzes amarelas vinham de baixo e, Lycan pôde ver, revelavam o início da cidade de Earth City, a capital do Distrito.
Reduziu a velocidade e foi perdendo altitude, se aproximando de todas aquelas luzes. Com um feitiço, transfigurou-se em uma nuvem negra e continuou o seu percurso, agora entre as casas e comércios, sem ser percebido pelas poucas pessoas que passeiam à noite.
Foi então que ele avistou seu alvo: um senhor idoso, caminhando pela rua e carregando uma sacola marrom, na entrada de um beco escuro. “O lugar perfeito!”, pensou Lycan. E, com toda a força que conseguiu reunir, a nuvem negra desceu de uma vez e acertou o idoso, atirando-o na parede do fim do beco.
– Mas que m... – praguejou o velho, com a mão nas costas enquanto se recompunha.
Ele olhou para frente, mas como o beco era escuro, só viu a sombra da nuvem negra à sua frente.
– Quem está aí? – perguntou o idoso – Diga, vamos!
O velho começou então a tatear dentro da sacola à procura de alguma coisa, mas parou instantaneamente quando a nuvem negra se transfigurou em uma sombra humanóide.
– Pelos Deuses! O que é isso?
A sombra avançou e brandiu uma espécie de bastão contra o idoso. Ele foi se comprimindo na parede e, quando o bastão estava quase no seu rosto, uma luz acendeu na ponta dele.
– Boa noite, Frederic Grints.
Frederic observou horrorizado o rosto de Lycan, que continuava apontando o cajado para sua direção.
– Lycan? Samuel Lycan?!
– Surpreso? – riu Lycan – Agora faça a pergunta certa, Frederic. Por que eu vim de tão longe até aqui só para lhe ver!
– Eu... Eu não sei para que... – gaguejou o velho.
– FAÇA A PERGUNTA!!! – gritou Lycan.
Frederic engoliu em seco.
– P... Por que veio aqui?
– Porque eu quero informações, Fred – respondeu o outro.
– In... Informações?
– Sim. Sobre os Talismãs.
O idoso então se ajoelhou e começou a falar tão rápido que mais parecia um chiado.
– Samuel, pelo amor dos Deuses, eu não sei de nada! Nada!
– Não foi o que eu descobri, Fred.
– O que quer que tenham lhe dito, não é verdade! Eu não sei de nada! Eu juro! Por favor, Samuel!
– CALA A BOCA!!! – Lycan gritou novamente – Não adianta me enganar, Frederic, eu sei que você fez os Talismãs para os meus filhos. Você é o artesão mais experiente do mundo, só você poderia ter criado esses amuletos!
– Não, eu...
Num gesto do cajado, Frederic foi erguido no ar e ficou comprimido na parede, como se estivesse amarrado nela.
– Se você colaborar, eu posso deixar você sair vivo. Senão...
– Samuel, por favor, não...
Lycan suspirou profundamente.
– Tudo bem, então. Você não me deixa escolha mesmo.
Uma magia começou a ser conjurada pela ponta do cajado. Mas, antes que tivesse terminado, Frederic começou a berrar:
– NÃO, TUDO BEM, EU CONTO TUDO O QUE VOCÊ QUISER! EU CONTO!
A magia se desfez e o velho caiu no chão.
– Se você diz assim... – disse Lycan – Vamos ao meu castelo, então. Além de suas informações, eu quero que faça uma coisa pra mim...
Com um giro do cajado, os dois se transfiguraram em uma nuvem negra e juntos saíram voando da cidade, rumo à floresta do Distrito da Terra.


– Bom dia, Seth. Acordei você?
Lila entrou na saleta-quarto de Seth segurando uma bandeja azul com comida em cima. O garoto levantou-se cansado, mas logo ficou disposto com o cheiro bom que vinha do café da manhã.
– Não, tudo bem, já devia ter acordado mesmo...
Seth encostou-se no pé da parede e pôs no colo a bandeja. Lila sentou-se perto do amigo e, depois de comer um pouco, Seth perguntou:
– E o Alex? Você conseguiu falar com ele?
– Sim – disse ela, mais animada – Está bem abatido, o coitado. Mas se recusa a contar o que aconteceu ontem.
– Pareciam ser chicotadas, Lila. Ele não confirmou?
– Não, praticamente não disse nada. Mas você não acha que ele contou alguma coisa pra eles, acha?
– Não, não acho – disse Seth depois de engolir um bocado de comida – Conheço pouco ele, mas sei que o Alex é forte. Aproveitando a deixa, vou lá falar com ele. Talvez ele fale alguma coisa para mim.
– Seth, eu não faria isso se fosse você – disse Lila, séria.
– Por quê?
– Porque ele foi pego tentando roubar o Talismã e as espadas. E era você quem estava com elas antes. Vocês dois poderiam muito bem estar mancomunados. Não, Seth, acho melhor esperar a poeira baixar e, depois, você fala com ele. Certo?
– Tá legal, tanto faz – respondeu o garoto, desanimado, empurrando a bandeja para o lado.
– A propósito – disse Lila se levantando – Onde foi mesmo que você guardou o Talismã?
– Ali.
Seth apontou para o que parecia ser uma sólida parede de tijolos. A garota ajudou o amigo a se levantar e perguntou novamente:
– Mas como?
– Existe uma fenda. É só tirar o quinto tijolo de baixo pra cima e revelará um buraco suficiente para guardá-los.
– Muito bom – disse ela – Mas vamos, a Kyra está esperando você, digo, a gente lá fora...
Os dois saíram juntos da saleta-quarto e, mal chegando ao galpão, foram praticamente atropelados por Tony, que vinha correndo da direção oposta.
– Então é verdade? – perguntou ele, ofegante – Vocês conseguiram mesmo pegar o Talismã?
Seth confirmou com a cabeça.
– E quando vamos fugir? Todos os terranos estão ansiosos!
Lila abriu a boca para dizer algo, mas preferiu fechar de volta.
– Nós ainda não sabemos – respondeu Seth – Quando decidirmos avisamos você.
– Tudo bem, então – concluiu Tony, voltando à sua postura metida de sempre – A gente se vê por aí, Seth.
Kyra, que estava observando não muito longe, chegou perto dos dois amigos.
– O que ele queria? – perguntou enquanto olhava Tony se afastar. Então se virou e, sorrindo, disse:
– Ah, bom dia, Seth!
Seth sentiu as bochechas arderem com o sorriso dela.
– Bom dia, Kyra...
– Queria saber quando vamos fugir – respondeu Lila – Só estou preocupada com essa questão da fuga dos terranos.
– Mas nós não temos escolha, Lila – disse Kyra – Foi a condição que ele impôs. E o pior é que nem sequer temos um plano...
– Isso não é o pior – comentou Seth – O pior é que só temos cinco dias, ou então seremos transferidos para o Distrito do Fogo e lá se vão o plano e o Alex.
– Tem razão – murmurou Lila – Bom, Kyra, vamos para o nosso quarto pensar lá. Talvez uma idéia apareça.
As duas começaram a andar, mas mal Seth deu um passo, foi impedido por Lila.
– Me desculpe, Seth, mas não podemos ser vistos muito tempo juntos...
– Sinto muito – disse Kyra, com a mão no ombro dele.
O garoto ficou parado lá enquanto elas caminhavam até um corredor e entravam nele. Sozinho, começou a caminhar pelo galpão, que agora estava quase vazio, já que não havia nada para se fazer ali.
Sem querer, tropeçou num pé no meio da passagem. Desculpando-se, se virou e, para sua surpresa, se deparou com Brad, o garoto mestiço.
– Ah, oi, Seth! Você por aqui?
– Oi, Brad. Prazer em ver você também.
Seth sentou-se ao lado do menino, que ficara feliz em rever o conhecido.
– Pensei que você tivesse ido trabalhar na propriedade do Sr. Grints...
– É uma longa história – respondeu o outro – Mas e você? Como ficou depois que eu saí?
– Bem, fiquei por lá mais ou menos uma semana – explicou Brad – Depois resolveram me colocar aqui. Eu acho que assim foi melhor, pelo menos nesse galpão tem espaço para andar...
– É, tem sim.
Os dois continuaram conversando até a hora do almoço, depois disso Seth se dirigiu à sua saleta-quarto e, sozinho, pôs-se a colocar os pensamentos em ordem, enquanto tentava se lembrar de seu sonho com uma misteriosa nuvem negra.


Dois dias haviam se passado, e a vida na Prisão Móvel ia ficando cada vês mais monótona para Seth. Ainda não tinha visto Alex depois do incidente, e as garotas ficavam pouquíssimo tempo com ele, para não despertar suspeitas. Nem com Brad ele estava conseguindo conversar, já que o menino agora se enturmara com os raiosenses e vivia mais feliz. Pelo menos o garoto estava se divertindo.
Tudo mudou no terceiro dia, quando, fazendo suas atividades rotineiras, Seth foi surpreendido com um abraço repentino de Alex.
– Seth, irmão, há quanto tempo!
– Mas que m... – disse Seth – De onde você saiu, Alex?
– Eles me liberaram! Finalmente! – exclamou o ruivo, radiante – Você guardou bem o Talismã, não é?
– É claro que sim – respondeu o outro, também sorrindo – Na fenda da parede, como nós combinamos...
– É isso, cara!
Abraçaram-se novamente, agora com direito a tapinhas nas costas.
– Ele não conseguiu se conter – disse Lila, vindo da mesma direção de Alex – O coitado tava tão sozinho naquela sela. Pelo menos a gente podia ir lá de vez em quando...
– Estava com saudade da ação – continuou Alex – E o plano da fuga, como é que vai?
Seth encarou Lila, implorando para ela contar a notícia. Quando a garota ia falar, Alex interrompeu:
– A gente... não vão mais... fugir? É isso?
– Olha só, Alex – disse Lila – Nós subestimamos a proteção desse local. E você é a prova viva das conseqüências. Não podemos deixar isso acontecer de novo.
– Então vão me deixar ir para aquele maldito Distrito do Fogo e me condenarem a não sei quantos anos numa prisão de verdade? Vão desistir de mim?
– Não vamos desistir de você – disse Seth, firme.
Lila olhou para ele com indagação.
– Mas Seth, pensei que nós...
– Que se dane – respondeu o garoto – Já está na hora de pôr um fim nisso. Vamos fugir hoje à noite. Avisem para a Kyra e para o Tony.
– É assim que se fala, irmão! – comentou Alex, com um tapinha nas costas do amigo.
Lila suspirou, derrotada, e caminhou na direção do corredor da sua saleta-quarto. O ruivo se virou para Seth e disse:
– Vamos para o quarto? Estou morrendo de saudades daquele colchonete bolorento.
As horas seguintes se estenderam dentro da saleta-quarto dos rapazes. Os quatro passaram o resto da tarde discutindo minuciosamente todos os detalhes do plano. Como a sela em que ficou preso era em um local diferente, Alex forneceu informações importantes, como corredores em que podiam se esconder e um depósito com objetos apreendidos, onde podiam pegar armas e se defender.
– Parece perfeito – disse Lila, por fim – Só não sabemos onde a fuga dos terranos se encaixa nisso. Não tem espaço no plano para essa parte.
– Só se a gente não libertá-los – comentou Alex.
– Isso seria traição – falou Kyra – Foi uma condição dada pelo Tony. Ele pode desistir de vir conosco.
– Tem razão. Na hora damos um jeito. Alguém se oferece para dizer isso ao Tony? – perguntou Seth.
Como ninguém respondeu, o garoto levantou-se e foi ele mesmo falar com o último integrante.
Seth sabia que o quarto de Tony ficava no último corredor. Dirigiu-se até lá e foi perguntando nos quartos onde era o dele. Mais ou menos na metade do corredor, ele entrou na saleta onde disseram ser o local onde ele dormia.
Mas ficou surpreso com um casal de meia-idade lá, e não um adolescente de catorze anos.
– Ah, o Tony dorme aqui?
– Dorme sim – disse o homem – Nós somos os pais dele.
– Ah, me desculpem, eu volto depois – disse Seth – Quando ele voltar.
– Você é Seth, o garoto mestiço? – perguntou a mulher.
O garoto franziu a testa ao ver que ela sabia seu nome.
– Sou sim. Por quê?
– Tony nos contou tudo sobre você – disse o homem – Inclusive do seu plano de fuga.
– Previsível – murmurou Seth.
A mãe de Tony se levantou e caminhou até ele.
– Não queremos que faça isso – falou ela.
– Mas por quê? Vocês não querem fugir? Se libertar?
– Nós estamos aqui porque fizemos por merecer – disse o pai – Os outros terranos também. Nos libertar só vai aumentar a criminalidade.
– Fuja só com o Tony. Nós, os outros, lhe daremos cobertura.
– E o que pretendem fazer? – perguntou Seth.
– Um pouco de bagunça – respondeu a mãe – É a nossa especialidade.
– Bagunça? – continuou o garoto, desconfiado.
– Confie na gente – interrompeu o pai – Sabemos que a segurança foi reforçada depois que vocês roubaram o Sr. Berkelian. Não vão conseguir sair daqui sem uma distração.
– Têm certeza de que querem mesmo fazer isso? Com certeza essa confusão vai piorar a sentença de vocês...
– Só queremos que o Tony tenha uma vida melhor. Porque aqui ele não vai conseguir – disse a mãe, por fim.
Seth suspirou profundamente e continuou:
– Tudo bem, então. São vocês que querem assim, a decisão é sua. Vou voltar para o meu quarto.
A mãe de Tony avançou e abraçou Seth como faria a um filho. Depois de se sentir extremamente desconfortável com a situação, ela o soltou e desejou-lhe boa sorte.
– Digam pro Tony que o sinal é a última badalada da meia-noite. Assim que soar a décima segunda, vamos começar a fuga. Certo?
Deu meia-volta e saiu. Embora fosse à tarde ainda cedo, não havia mais ninguém no galpão, exceto os próprios Fiscais, que olhavam estranhamente para ele, como se soubessem que estava tramando alguma coisa. Apressou o passo e entrou no corredor da sua saleta-quarto.
Os outros três pareciam estar rindo de uma piada recém-contada, mas conteram o riso quando Seth entrou no aposento. Kyra se adiantou:
– E aí, como é que foi lá com o Tony?
– Ele não estava – respondeu ele – Mas os pais estavam. E me contaram uma coisa que me deixou preocupado.
– O que foi? – perguntou Lila.
– Eles não querem fugir. Nenhum dos terranos quer. Eles parecem pelo menos ter um pingo de decência de não querer fugir para não pôr em risco a segurança do Distrito. Entretanto...
– O quê? – pediu Alex, curioso.
– Entretanto eles disseram que vão ajudar na nossa fuga. É isso que me preocupa. Os dois insistiram em distrair os Fiscais fazendo confusão.
– Eles são loucos? Isso pode estragar o plano! – exclamou Kyra.
– Ou talvez nos ajude – interrompeu Lila – Os pais do Tony disseram que tipo de “confusão” eles pretendem fazer?
– Não. Espero que não seja nada que chame muita atenção... Senão, adeus liberdade. E adeus à saga do Kathegetes...
– Tem razão, Seth – afirmou Alex – Hoje é a nossa última chance. Tem que dar certo.
Lila se levantou e puxou Kyra pela manga do moletom.
– Meninos, a gente se vê mais tarde, então. Até mais.
– Boa sorte para a gente – desejou Kyra, sorrindo.
As duas cruzaram o arco da porta e saíram. Alex virou-se para Seth com visível preocupação.
– É isso aí – disse ele – Mais tarde é onde o bicho vai pegar...


A cada hora que se passava, a cada badalada do relógio gigante do galpão que ressoava, era como se bolas de chumbo descessem pelos seus estômagos, frias e metálicas.
A tarde foi escurecendo, entrou o crepúsculo. O maldito crepúsculo, que Seth odiava, logo passou, e uma noite escura veio em seu lugar. Às sete horas da noite, a janta foi servida nos mesmos pratos sujos, mas nem o garoto conseguia comer. Era como se as bolas de chumbo o alimentassem.
Depois do badalar das onze horas, o nervosismo estava ao extremo. Cada segundo que passava pareciam horas, e os garotos não cabiam em si de expectativa e curiosidade. De repente, duas sombras entraram repentinamente no quarto deles, revelando ser Kyra e Lila.
– Vocês são loucas? – protestou Alex, sussurrando.
– Quase mataram a gente de susto – explicou Seth.
– Nós também estamos nervosas, se acalmem – disse Lila.
– Faltam quinze minutos – alertou Kyra – Fiquem a postos.
Nos minutos seguintes, os quatro ficaram sentados um do lado do outro, transmitindo energia corporal um ao outro. Depois de contarem mentalmente dez minutos, Seth se levantou e tirou as espadas e o Talismã da fenda da parede.
Retirou as duas armas dos respectivos cabos e disse:
– Já que agora não temos armas suficientes, fiquem com os cabos. Um cabo para a Kyra, o outro para você, Lila. Alex, você fica com a outra espada.
– Não, fica com as duas. Eu me viro até lá.
– Então alguma de vocês quer a outra espada? – insistiu ele.
– Não, Seth, esse lance das espadas é seu – respondeu Kyra – Mas obrigada mesmo assim.
– Certo, então. Vocês que sabem.
Agora, cada momento era torturante. Seth estava em pé, empunhando as espadas e com o Talismã no bolso, pronto para usar na hora certa. De repente, tocou a primeira badalada.
Tocaram a primeira, a segunda, a terceira... “Ah, vamos lá, rápido!”, pensou Seth. Tocaram a quarta, a quinta, a sexta... “Vamos, vamos logo, acaba com essa agonia...”, pensou Alex. Tocaram a sétima, a oitava, a nona... “Vai, vai, acaba logo de uma vez!”, pensou Lila. Tocaram a décima e a décima primeira... “Só mais uma... Só mais uma...”, pensou Kyra.
E tocou a décima segunda.
Todos já estavam de pé, iam sair sorrateiramente, chegariam ao depósito, fugiriam, a liberdade... Mas ouviram um grito. Um grito distante, um grito energético... Um grito de guerra.
Os quatro saíram correndo do quarto e, quando chegaram ao galpão, ainda conseguiram ver algo impressionante: um homem e uma mulher corriam gritando do último corredor, brandindo tochas. Então uma multidão foi atrás deles, se apertando no corredor estreito, e também portando tochas, provavelmente retiradas das saletas-quarto.
– Mas que m... – balbuciou Alex.
De repente, foram empurrados violentamente do corredor, e mais uma multidão saí dali, com tochas e outros objetos cortantes. Em questão de segundos, todo mundo da prisão móvel estava ali no galpão, ateando fogo em todos os lugares possíveis, queimando tudo o que estivesse próximo. Os poucos Fiscais de plantão àquela hora correram como baratas tontas para longe dali.
Na confusão, Tony milagrosamente os encontrou no meio daquela gente enfurecida, que quebrava móveis e tentavam arrebentar a porta principal.
– Ah, vocês estão aí! – gritou ele.
– Tony, o que é isso?! – gritou Seth, de volta.
– Distração – respondeu o outro – Não temos muito tempo. Aqueles Fiscais que fugiram foram buscar reforços. Como vamos fugir mesmo?!
Lila ia responder, mas Seth a interrompeu.
– Espera aí!
O garoto então tirou o Talismã do bolso e passou a fria corrente pelo pescoço. Então todo o barulho cessou, e a sensação de coragem, de habilidade e de poder voltou, como há tantos dias antes.
– Tony! TONY!!! – gritou o garoto, acordando Tony dos seus devaneios – Diga aos seus pais para não irem lá para fora quando derrubarem a porta!
– Por quê?
– PORQUE SENÃO ELES VÃO MORRER!!!
Tony olhou assustado para Seth e correu na direção dos pais. Pouco tempo depois ele voltou, confirmando o recado dado.
– E agora?
– Vamos para lá! – guiou Alex, apontando para um corredor no fim do galpão.
Pouco a pouco foram vencendo a multidão, até chegar ao tal corredor. Lá puderam andar mais livremente, aparentemente o local todo estava vazio. Alex foi guiando os outros quatro, até parar numa pesada porta de madeira.
– É aí – disse ele – O depósito é aí.
Com um golpe de espada, Seth quebrou as maçanetas. Com dificuldade, empurraram a porta, entraram e fecharam de volta.
– Peguem tudo o que acharem que for necessário; armas, mantimentos, roupas, dinheiro, tudo o que for útil.
O depósito era imenso, haviam milhares de tranqueiras e bugigangas velhas lá. Seth caminhou pelas pilhas de objetos e, milagrosamente, encontrou sua mochila por cima de outras mais velhas. Depois de constatar que nada havia sumido dela, nem mesmo os mil Lycandollars, colocou-as nas costas e foi esperar na porta pelos outros.
Kyra foi quem apareceu depois; ela portava um arco marrom nas mãos e, nas costas, dividiam o espaço uma aljava de flechas e uma mochila azul claro.
Lila apareceu em seguida, com um cajado mágico cinza e uma bolsa de uma alça só. Alex surgiu depois, com uma mochila bege e um machado médio nas mãos. Tony apareceu por último, portando uma mochila de couro preta e uma espécie de lança de duas pontas.
– Tudo certo? – perguntou Seth – Pegaram tudo o que precisávamos?
Com a confirmação de todos, eles puxaram a porta de volta e saíram para o corredor estreito novamente.
– Para onde vamos agora, Alex? – perguntou Seth.
Alex pareceu um pouco pensativo.
– Nesse tempo todo, os Fiscais não já deveriam ter voltado?
– Do que é que você...? – começou Tony.
De repente, um barulho de explosão ressoou todo o corredor, e o som de pessoas gritando de raiva foi substituído pelo som de uma multidão gritando de medo.
– Mas o que...?
– O que foi isso?
– Vamos lá ver o que é! – ordenou Seth, e saiu correndo na direção oposta.
– Não, Seth, vamos logo sair daqui! – gritou Lila, em vão.
– Ele está certo – disse Tony – Meus pais e os outros terranos ainda estão lá!
Os quatro foram na direção do líder, e o encontraram no final do corredor, olhando abismado para frente.
Uma gigantesca pedra flamejante, provavelmente vinda de uma catapulta, destruíra toda a parede da frente do galpão, se alojando na parede oposta. As pessoas que restaram do ataque, corriam sem saber para onde ir, algumas se esconderam nas saletas-quarto.
Então uma pata escamosa, com unhas negras protuberantes, do tamanho da pedra, invadiu o espaço e, num golpe, derrubou o que sobrara da parede. Com o buraco aberto, os cinco puderam visualizar a maior e mais aterrorizante criatura que já haviam visto: um gigantesco dragão verde, bufando chamas pelas narinas.
Mal tiveram tempo de gritar e se virar, o dragão ateou fogo em todo o galpão, queimando completamente quem estivesse lá na hora. O jato de chamas ricocheteou nas paredes e destruiu a entrada do corredor, desabando uma pilha de pedras nela.
– AAAAARRRGGG, SOCORRO, ME AJUDEM! – berrou Tony.
Aparentemente, o cabelo da testa do garoto estava pegando fogo, mas também estava queimando sua testa. Num rápido movimento, Lila tirou um pano de dentro de sua mochila e, friccionando, apagou as fagulhas do cabelo dele.
– A sua testa está horrível – disse ela – Vou amarrar o pano nela, certo? Para evitar uma infecção.
– Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui? – perguntou Alex, ofegante.
– Parece que a reação dos Fiscais foi mais brutal do que eu esperava – respondeu Seth – Mas queimar todo mundo ali, isso foi terrível.
– Meus Deuses! – gritou Tony, se sentando bruscamente – Meus pais! Meus pais estavam lá! Todos os terranos estavam lá!
O garoto ficou de pé rapidamente e começou a tentar retirar as pedras do caminho.
– Vamos, seus imbecis, precisamos salvá-los! VAMOS!
– Sentimos muito, Tony – disse Kyra, cabisbaixa – Sentimos muito mesmo...
– Não fiquem aí parados como se eles tivessem morrido, vamos!
– Tony, os seus pais...
– ELES NÃO MORRERAM! – berrou o garoto, chorando e cavando ao mesmo tempo – ELES NÃO MORRERAM!!!
– Vamos embora, Tony – ordenou Seth – Ainda precisamos sair daqui.
– Vão vocês! Deixem-me aqui sozinho!
Lila se aproximou dele fraternalmente e o pôs de pé de novo.
– Tony, precisamos de você. Vamos logo sair daqui.
O garoto se apoiou em Lila, e depois na lança de duas pontas. Os cinco então seguiram pelo outro lado do corredor, guiados por Alex.
Chegaram num saguão amplo e vazio, fortemente iluminado por tochas. Ao fundo, uma porta de madeira terminava o caminho.
– A saída deve ser por ali – disse Alex, apontando para a porta.
Nem deram um passo, o som de dez bestas se armando ecoou no saguão, seguido de uma voz grave:
– Aqui é o fim da linha, garotos – disse Gary.
Seth virou-se e constatou, preocupado, que estavam cercados. Os cinco também ficaram em círculo, com o garoto empunhando as duas espadas, Alex o seu machado, Kyra o arco e uma flecha, Lila numa meia invocação de magia, e Tony apoiado em sua lança, cambaleante.
– Vamos, se entreguem e ninguém sairá ferido – comunicou Gary novamente, sua voz ressoando no saguão.
Seth juntou as duas espadas e, num giro, as duas viraram uma só. Gary e os nove Fiscais aprumaram suas bestas, com o dedo no gatilho. O garoto podia sentir ondas de energia circularem sua espada e, confiante, disse:
– Dessa vez não, Gary. ATACAR!
Num segundo, várias coisas aconteceram. As dez flechas foram lançadas de uma vez. Mas uma energia vinda da espada de Lycanthunder criou uma espécie de campo de força entre os cinco, que circundou as flechas e as ricocheteou para todos os lados, milagrosamente acertando seis Fiscais.
Aos quatro que restaram, Seth atacou Gary, quebrando sua besta; Alex, com um golpe de machado, destruiu a besta de um Fiscal loiro; Kyra acertou a flecha, certeira na besta de um Fiscal moreno; Lila conjurou sua magia, fazendo a besta de outro Fiscal se erguer no ar e se destruir na parede.
– Quem vai se entregar agora, Gary? – perguntou Seth, sarcasticamente.
Gary lentamente pôs a mão nas costas e, quando parecia que ia tirar alguma coisa de lá, um zunido cortou o ar e o sangue do negro explodiu na cara de Seth.
– MAS QUE M... – berrou o garoto.
– Isso foi pelos meus pais, seu cretino – disse Tony, cambaleando até o corpo de Gary e removendo sua lança do pescoço dele.
– Que droga, Tony, o que você fez?! – gritou Alex, do outro lado.
Raios grossos saíram da espada de Seth e se chocaram com os outros três Fiscais, desacordando-os.
– Não precisa haver mais mortes aqui – disse ele – Vamos embora já!
Os cinco se dirigiram à porta de madeira no fim do saguão, abriram-na e saíram para a noite escura. Tony hesitou, mas já que não tinha mais pais, seguir aqueles quatro insignificantes metidos a heróis podia ser interessante, já que era sua única opção.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Capítulo Seis - Um novo plano

ALEX ENTROU SORRIDENTE NA SALETA-QUARTO EM QUE dormia. Já era manhã e os três Sóis de Lycantrix esquentavam o Distrito do Raio, fazendo com que o tempo agradável se tornasse altamente convidativo para um passeio ao ar livre.
O garoto parou de uma vez ao entrar no quarto e, ainda sorridente, perguntou:
– Ei, irmão, já está acordado? Porque não avisou?
Seth estava encostado no canto da parede, e remexia um punhado de cinzas do archote, agora já apagado.
– Ah, acho que queria ficar um pouco sozinho...
Alex se adiantou e agachou-se ao lado do amigo.
– Qual é, Seth, por que você está desanimado hoje?
O garoto pensou um pouco antes de responder.
– Olha só, Alex... Ontem, antes de dormir, eu ouvi você conversando aos cochichos com as meninas.
– É, nós conversamos sim...
Seth se levantou.
– Eu percebi que vocês não acreditaram em mim. Foi o que você disse. Que eu devia estar um pouco abalado dos acontecimentos recentes e que a história do Kathegetes Omega era um pouco de delírio.
O outro também se levantou.
– Seth, eh, me desculpe. Eu... Nós tivemos um dia cheio ontem e... Aí vem você com aquele papo de andar pelo mundo, e ainda mais querendo que nós ignoremos o que estudamos sobre Lycan há quase dez anos... Não é qualquer um que acreditaria de primeira, sabe?
– Sei como é... – murmurou Seth, escorregando lentamente de costas pela parede até sentar-se no chão.
– Mas não se preocupa não, cara – disse Alex, sentando-se ao lado do outro – A Lila hoje recontou para a gente a história, bem direitinho...
– Ela o quê?
– Ah, você sabe – respondeu o ruivo – Ela também leu o tal livro da Cassandra Futuro...
Seth aprumou-se no chão.
– E a Lila contou a história para vocês? Toda?
Alex confirmou com a cabeça.
– Não é por nada, mas, tipo, você estava meio nervoso ontem. Aí hoje, mais cedo, nós três nos reunimos e ela explicou melhor para a gente.
– E aí, o que você achou? – perguntou Seth, animado.
O outro coçou a cabeça, indisposto.
– Cara, eu tenho pena da gente...
Os dois riram juntos. Alex, recompondo-se, continuou:
– Você sabe, mais do que nós todos, que essa jornada é meio perigosa. Quero dizer, nós não sabemos o que vamos enfrentar, nem como vamos escapar vivos, nem como vamos entrar nos castelos...
– Daremos um jeito, na hora – disse Seth – Não se preocupe. Agora, onde estão as meninas?
– Eu vim aqui justamente lhe chamar para a gente ir tomar café. Elas estão nos esperando lá fora.
– Lá fora? Eles não servem aqui?
– Não, hoje é a última segunda-feira do mês. Nós escolhemos o café da manhã lá no galpão.
– Bem melhor!
Seth e Alex rumaram juntos ao galpão, aonde centenas de pessoas iam aparecendo de vários corredores e iam juntas a uma espécie de balcão onde vários tipos de comida eram servidos.
– Vamos logo senão vão acabar a comida e os lugares – disse Alex quando começou a correr na direção do balcão. Seth o acompanhou.
Não era uma das melhores comidas, mas era o suficiente para matar a fome de Seth. Após de encher uma bandeja inteira (o que o acompanhou com os olhos arregalados de algumas pessoas), os dois se dirigiram a uma mesinha em que uma garota acenava.
– Bom dia, Seth – saudou Kyra – Pelos Deuses, você vai comer tudo isso?
– Seth é um amante da gastronomia, por qualquer que seja – falou Alex e as duas garotas riram, o que deixou o garoto um pouco constrangido – Ah, obrigado por ter guardado esse lugar para a gente, Lila, o galpão está começando a encher.
– De nada, Alex.
Após começarem a comer, Lila puxou conversa:
– A propósito, Seth, você disse ontem que tinha um plano para sair daqui... Você já pensou nele direito?
– Claro, bem lembrado – disse o garoto, com a boca cheia. Engoliu e continuou – É o seguinte: nós precisamos achar primeiro o descendente de Lycanearth. Não podemos sair deste local sem ele.
– Exatamente.
– Vocês já têm idéia de quem seja?
Kyra e Lila se entreolharam.
– Bom, nós demos uma olhada hoje, mas ninguém confere com as características do descendente.
– Tudo bem, Kyra. Podemos aproveitar esse momento para procurar, não?
– Tem muita gente aqui, Seth – respondeu Lila – Além de ser inútil, seria suspeito. E nós não queremos parecer suspeitos.
– De jeito nenhum – confirmou Alex.
De repente, Seth levantou os olhos e eles se cruzaram com os olhos de outro garoto há cinco mesas de distância. Mesmo ignorando a primeira vez, Seth percebeu o garoto olhando para a mesa deles várias vezes depois.
– Quem é aquele garoto que fica o tempo todo olhando para cá? – perguntou ele.
Alex e se curvou um pouco para observar.
– Ah, é o Sayver – disse com desprezo – Antonio Sayver.
– Quem é Sayver?
– Um garoto que veio do Distrito da Terra, dois meses atrás – explicou Lila – E já chegou fazendo confusão. Não sei se você sabe, mas os terranos são meio convencidos. O Antonio se acha melhor que todo mundo daqui.
– Ele e o Alex brigaram feio na primeira semana – lembrou Kyra – Detenção pros dois. Isso só aumentou a desavença com eles.
Seth, que estava pensativo, perguntou:
– Ele é do Distrito da Terra?
– Sim, ele dorme com um grupo que veio de lá. Parece que os pais dele vieram também.
– No que é que você está pensando, Seth? – perguntou Lila.
O garoto estava olhando fixamente para Antonio. Respondeu sem mover os olhos:
– Lila, presta atenção nele. Muita atenção.
A garota virou-se para olhar.
– O que você quer que eu veja...? Ai, meus Deuses!
Antonio olhara novamente e, ao ver que agora haviam duas pessoas olhando para ele, desviou o olhar.
– Seth, você não acha que é...
O garoto confirmou com a cabeça.
– Mas o que está acontecendo? – perguntou Alex.
– Que cor você acha que é? – continuou Lila, interrompendo Alex.
– Citrino, eu acho.
– Mas citrino não é meio verde?
– Não sei, o dele é um castanho esverdeado.
– Alguém quer me fazer o favor de contar o que está acontecendo?
– É simples, Alex – respondeu Seth – Antonio é o herdeiro de Lycanearth.
– Não, não. Sem chance. Não pode ser.
– E por que não? – perguntou Lila.
– Porque... Porque não pode, só isso.
Seth suspirou.
– Não pode porque você não quer. Mas não podemos ignorar os fatos, ele tem todas as características do descente de Lycanearth.
– Ele tem razão – disse Lila. – Olhe os olhos e os cabelos dele. A cor do elemento da Terra é marrom ou castanho. Veja você mesmo.
Alex esticou o pescoço para o lado e voltou, apreensivo.
– Tá legal, o cabelo pode ser castanho, mas os olhos dele são esverdeados. Um castanho esverdeado.
– O verde, nesse caso, simboliza a vegetação terrestre – explicou Seth.
O ruivo então abaixou a cabeça, derrotado, e continuou a comer.
– Ah, vamos lá, Alex, não vai ser tão ruim assim... – disse Kyra.
– Se você diz assim...
– Então está certo – continuou Seth – Assim que convencermos o Antonio, tentaremos recuperar o meu Talismã. Esse é o único jeito de sairmos dessa “prisão”.
– Ah, então quer dizer que você já está com um dos Talismãs aí com você? – perguntou Lila.
– Sim, o Talismã do Raio. Só que, quando eu cheguei, devem ter levado o Talismã e as espadas de Lycanthunder. E alguma coisa me diz que eles ainda estão aqui.
– E onde eles estão agora?
– Não sei, Alex. Mas o importante é conquistar a confiança do Antonio primeiro. Depois a gente procura o Talismã.
– Não sei o que vai ser mais difícil – murmurou Alex.
Passado algum tempo, as pessoas começaram a se dispersar. Os terranos que estavam na mesa com Antonio se levantaram e deixaram o garoto sozinho, beliscando o que sobrou do café da manhã. Depois de um rápido sorteio com palitinhos, Kyra se levantou e se dirigiu à mesa do descendente de Lycanearth.
– Ah, oi Antonio – disse ela.
O garoto, da mesma idade dos outros, respondeu:
– Me chame de Tony, meu bem.
Kyra suspirou profundamente.
– Certo, Tony. Vim aqui porque meus amigos querem dar uma palavrinha com você.
– O Alexander quer falar comigo? – perguntou ele, surpreso.
– Quer sim. Eu, a Lila e o Seth também.
Antonio pensou um pouco.
– Tudo bem então, querida. Vá na frente enquanto eu deixo essa bandeja no lixo.
Ele se levantou e Kyra voltou à mesa.
– Consegui, gente. Só tem um porém: ele prefere ser chamado de Tony.
– Tony?! Era só o que faltava!
– Tudo bem, Alex. Se ele prefere assim, vamos deixar assim. Se lembrem que nós precisamos convencê-lo, então sejam gentis. Tony, pra mim, está tudo bem.
– Atenção, ele está vindo – alertou Lila.
Tony veio lentamente e se sentou em uma cadeira livre.
– Certo, o que vocês querem? Vamos logo que eu não tenho o dia todo.
Alex estalou os dedos embaixo da mesa.
– Tony, você quer sair dessa prisão? – perguntou Seth.
O garoto se aprumou na cadeira.
– O que você disse?
– Perguntei se você quer fugir daqui. Se libertar.
– É claro que eu quero – disse Tony, franzindo a testa. – Por que, você vai fugir?
– Nós todos vamos fugir – respondeu Lila. – Nós quatro. Mas precisamos de você, Tony.
– Motivos que não podemos explicar agora – continuou Seth – Mas, de um jeito ou de outro, só podemos fugir se você for junto.
Tony sorriu, interessado.
– E como você pensa em fugir, mestiço?
Alex se levantou bruscamente.
– Nunca mais o chame de...
– Tudo bem, Alex. Pode se sentar – disse Seth enquanto Tony ria por ter enraivecido Alex. – Existe um objeto especial que eu tenho que me dá poderes muito especiais. São esses poderes que vão nos tirar daqui.
– Está falando do Talismã do Raio, Seth?
Os quatro ficaram mudos de uma vez, ao passo que Tony se divertia mais e mais.
– É, eu não estou tão desatualizado assim. Meu quarto fica próximo da cabine de controle. Eu ouvi de madrugada que um certo policial chamado Gary havia recolhido um adolescente mestiço no centro de Thunder City e, com ele, estavam o Talismã do Raio e as espadas de Derek Lycanthunder.
“O tal Gary entregou os objetos para o organizador da prisão móvel do Distrito do Raio, o Sr. Berkelian. E o Sr. Berkelian os guardou num cofre na sala dele e vai devolver ao castelo do Distrito do Raio amanhã de manhã.”
Então Tony prosseguiu ao perceber que os outros quatro continuavam abismados.
– E, pelo o que eu entendi, vocês querem pegar o Talismã para vencer a barreira dos Fiscais e fugir. Só não sei onde eu entro nessa história toda.
– Lhe contaremos quando sairmos daqui – disse Seth. – Eu prometo.
– Mas, se vocês pretendem pegar o Talismã e fugir, precisam fazer isso hoje – continuou Tony – Senão amanhã ele já estará nas mãos sebosas de Sir Goterman de Ferris, o rei do Distrito do Raio.
– Ele tem razão – confirmou Lila – E precisa ser feito hoje à noite. Mas você vai nos ajudar a pegar o Talismã, Tony?
– É claro que não – respondeu ele. – Vou fugir com vocês, mas não vou participar desse furto. A propósito, eu somente vou fugir com vocês se todos os terranos forem juntos.
– Mas que safado esse... – disse Alex se levantando novamente.
– Eles estarão libertos – interrompeu Kyra – Todos eles.
– Tudo bem, então – disse Tony, se levantando – Me avisem quando for a hora de fugir. Meu quarto fica no último corredor ali, à esquerda. Boa sorte para vocês.
Depois que o garoto se misturou na multidão que saía, Alex explodiu:
– E ainda faz exigências, o desgraçado...
– Ele sabe que é importante para nós. Por isso ele fez essa proposta. Mas Kyra, como vamos libertar os outros terranos? – perguntou Seth.
– Não se preocupem. Eu dou um jeito.
– Muito bem então – disse Lia se levantando, o que foi repetido pelos outros – Se preparem. É hoje à noite.
Se dividiram e rumaram para os respectivos quartos. Um frio na barriga incomodava Seth, mas ele sabia que aquilo precisava ser feito.


Fazia uma noite fria. Um Fiscal passou no corredor e olhou para dentro de um dos quartos, onde dois garotos dormiam. Ou fingiam dormir.
– Tudo bem, ele já foi – sussurrou Alex embaixo do cobertor. – Já são que horas, Seth?
– Meia-noite. Em ponto – respondeu o outro.
Alex se levantou lentamente e colocou meio olho para fora do quarto.
– Não tem ninguém. Seth, é agora.
Seth se levantou também e ficou atrás de Alex. Após mais uma constatada, os dois saíram pelo corredor às escuras, fracamente iluminado por archotes. À medida que iam andando, viam outros detentos dormindo profundamente.
Ao chegarem ao galpão, foram andando praticamente colados na parede, aproveitando a sombra que os archotes faziam. Caminharam dez minutos, passando por mais cinco corredores e entraram no sexto.
Como o Fiscal estava conferindo o último quarto, os dois entraram de uma vez no primeiro quarto do corredor e se instalaram nas sombras. Depois que o Fiscal conferiu novamente o quarto, os dois cobertores se levantaram e Lila perguntou:
– E aí, vamos?
Os quatro constataram o Fiscal novamente no último quarto e saíram com um tranco. Já no galpão, rumaram para a Cabine de Controle dos Detentos, no final do galpão.
– E o desgraçado está dormindo tranquilamente aí, enquanto podia estar ajudando a gente – sussurrou Alex ao passar pelo último corredor.
A Cabine, que era como um grande escritório, estava toda iluminada, mas não havia ninguém na recepção. O grupo, agachado, se esgueirou para dentro da recepção e por um corredor também vazio. Levaram um susto com uma voz alta atrás deles, mas eram de um grupo de Fiscais que jogavam cartas e fumavam charutos.
A sala do Sr. Berkelian ficava no final do corredor. Seth pôs o ouvido na porta e, como não escutou nenhum ruído, abriu-a lentamente. Com um sinal de “barra limpa”, os quatro entraram na sala.
O escritório de Adam Berkelian era extenso. Consistia de uma mesa de mármore lotada de papéis com uma cadeira por trás, um grande armário de madeira e, no fundo, um grande cofre verde. Alex tomou a frente e, ao examinar o cofre, disse:
– Esse é um cofre comum de combinação. Dêem-me um minuto que eu consigo abri-lo.
O garoto se abaixou e começou a girar uma pequena manivela enquanto testava várias combinações ao mesmo tempo. Lila se agachou ao lado dele e sugeriu outros números a Alex.
Kyra então se aproximou de um aquário que havia numa estante próxima ao armário. Seth se aproximou dela e a observou hipnotizada a água se mexer com o movimento dos peixes.
– Como é a sensação de usar um Talismã, Seth?
– É uma coisa maravilhosa. Indescritível. Uma sensação de liberdade total. De controle.
A luz que emanava do aquário preenchia o rosto dela, que a deixava cada vez mais bonita.
– Será que vamos demorar muito a achar o Talismã da Água?
– Não sei, só o tempo vai dizer isso. Mas não pretendo demorar muito tempo nisso. Quero voltar para casa e reencontrar meu avô. Já sinto saudades dele.
– Você mora com seu avô?
– Moro sim, mas essa é uma longa história...
– Seth, você sabia que, se usarmos a lógica, descobriríamos que a água combina com o raio?
– É? Você acha isso?
– Não é que eu ache. Mas se você perceber, o raio acontece por causa da chuva. E a água conduz eletricidade.
– Eu não tinha olhado por esse ponto...
De repente, um ruído os sobressaltou. Duas vozes vinham conversando pelo corredor, e elas aumentavam conforme as duas pessoas se aproximavam da sala.
– Rápido, para dentro do armário! – sussurrou Seth.
Lila correu e abriu a porta.
– Vamos, tem espaço aqui para nós quatro!
Kyra entrou primeiro, seguida de Seth. Lila entrou logo depois e, quando Alex se aproximou, sombras apareceram por debaixo da porta. O garoto recuou.
– Alex, o que você está...
Alex se escondeu embaixo da mesa e Seth fechou a porta do armário.
– Mas e o Alex? – perguntou Lila.
– Ele consegue se virar. Façam silêncio!
Mas a porta não abriu. As duas pessoas, quem quer que fossem, conversavam do lado de fora da sala. Seth abriu um pouco a porta para poder escutar e viu que Alex continuava a tentar abrir o cofre.
– Eu já lhe disse, mandarei amanhã ao sir Goterman de Ferris os objetos, não se preocupe. – disse uma voz masculina, adulta e cansada.
– Eu insisto, Adam. Deixe-me levar agora, por favor.
Seth estremeceu ao ouvir aquela voz. Era do policial Gary, que o interceptara em Thunder City.
– O que você quer tanto com o Talismã, Gary? – perguntou o Sr. Berkelian.
– Recuperar meu emprego. Estou sendo ameaçado de perdê-lo pelo que aconteceu em Thunder City com aquele mestiço nojento. Eu sei que devia ter prendido o garoto em vez de tentar matá-lo. Mas me irritei com aquele maldito comparsa dele.
– Ouvi falar disso. O tal de Wallace Baxter, você quer dizer.
– Exatamente. Ele foi ferido gravemente durante a perseguição, mas assim que se recuperar vai ser levado para o Distrito da Terra, fazer trabalhos forçados.
Seth sorriu ao descobrir que Wallace não havia morrido por sua causa.
– Só não sei como o Talismã foi parar com o garoto.
– Ele foi roubado, não foi? – perguntou o Sr. Berkelian.
– Sim, Adam. Há catorze anos. Eu me lembro que deu uma baita confusão por aqui. Tanto é que eu fui promovido pelos esforços tentando recuperar os objetos perdidos.
– Mas por que tanta confusão? Quero dizer, qual a real importância disso?
– Foi só porque constatou que a lenda dos Talismãs era verdadeira. Os reis começaram a fazer buscas por todos os castelos, mas como nenhum achou nada que fosse parecido com os Talismãs, a história foi desacreditada e o pobre sir Goterman foi considerado insano. Ele já sabe que nós achamos o objeto?
– Não, mas vai saber amanhã...
Então Seth percebeu que Alex conseguira abrir o cofre e já estava tirando de lá o Talismã e as espadas.
– Toma, Seth. Guarda aí – sussurrou ele.
Mas ele mal havia entregado quando ouviu:
– Mas então, meu caro, vamos entrar e discutir esse assunto...
Só houve tempo de Alex fechar a porta de uma vez, trancá-la por fora e jogar a chave para dentro por meio de um buraco.
– Não, Alex, o que você está fazendo, entra aqui! – disse Seth, em vão.
A porta abriu-se de uma vez e Alex foi surpreendido por Gary e o Sr. Berkelian. O organizador levou um susto e, com a voz assombrada, perguntou:
– Mas o que você está fazendo aqui?!
Antes que o garoto respondesse, Gary pulou por cima da mesa e caiu sobre Alex, imobilizando-o.
– Pelos Deuses, Adam, ele estava mexendo no cofre!
– Não, droga! – disse o Sr. Berkelian, passando por eles e examinando o cofre – Esse garoto pegou o Talismã e as espadas, Gary!
– É claro que não, seu idiota – disse Alex – Está vendo alguma coisa aqui comigo?
– Ele tem razão, Adam. Ele tá limpo.
– Então... onde está o Talismã? – perguntou o outro, desesperado.
– Quando eu cheguei aqui já estava vazio – respondeu o garoto.
– Adam, tenho uma idéia – disse Gary – Vamos levar esse garotinho esperneador para um interrogatório. Precisamos saber tudo o que ele sabe.
– Eu não vou dizer nada! – gritou Alex, mas levou um soco do policial.
– Boa idéia, Gary. Vamos lá, garoto!
Alex então foi removido da sala com força pelos dois homens. Depois de alguns minutos, Seth tirou a mão de Lila da boca e abriu o armário por dentro.
– Meus Deuses, coitado do Alex – comentou Lila.
– O que é que a gente faz, agora? – perguntou Kyra.
– Pensar em um novo plano. Mas vamos sair daqui primeiro. Vou esconder isso no meu quarto para ninguém achar.
– Mas e o Alex, Seth? – perguntou Lila, desesperada.
– Ele é forte. Não vai dizer nada. Até porque se tentarmos libertá-lo seremos pegos também e lá se vai a nossa fuga.
– Ele tem razão, Lila – disse Kyra – Esperaremos a barra ficar limpa e sair daqui...
– Exato – disse Seth, com o ouvido na porta.
– Pobre do Alex...
Depois de meia hora, os gritos de Alex se uniram com o ruído surdo de chicotadas. Com Lila à beira de um infarto, conseguiram sair sem ser vistos.
De volta ao quarto, Seth escondeu o Talismã e as espadas atrás de um pilar e se deitou a tempo do Fiscal olhar para dentro do quarto e constatar que havia apenas um detento, e não dois.
– Tomara que você seja forte, Alex. Eu acredito em você – desejou Seth, baixinho, enquanto uma sirene soava ao longe.

sábado, 30 de maio de 2009

Capítulo Cinco - Os outros herdeiros de Lycan

Fazia uma manhã quente aquele dia em Lycantrix. Uma fila de pessoas se aglomerava para entrar numa espécie de tenda marrom desbotada em que se lia: Frida McSagore – Cigana Vidente.
Cinco crianças passaram correndo pela fila, afinal, elas estavam aproveitando um dia claro de verão que há muito tempo não se fazia no Distrito do Ar. A cabana da vidente McSagore ficava no parque de diversões do Distrito, e todos os dias havia uma fila de pessoas querendo que a cigana lesse suas mãos, ou visse seu futuro com suas cartas velhas e sebosas.
Um homem encapuzado estava na fila, esperando. Ao ver as cinco crianças se amontoando para comprar algodão doce, ele se lembrou imediatamente da infância de seus cinco filhos, quando ele e a mãe das crianças vinham brincar no mesmo parque. Mas isso era passado. Seus filhos haviam sido assassinados brutalmente há seis meses, e os jornais locais e mundiais continuavam com matérias sobre o Caso Lycan.
A fila prosseguiu. O homem encapuzado se assustou com uma mulher que saíra gritando da barraca dizendo que ia ganhar na loteria. “Isso é normal”, pensou ele. Sentiu vontade de explodir todos da fila, seus assuntos eram mais urgentes do que os dos outros. Agora sentia essas vontades repentinas de explodir tudo, ao mínimo sinal de raiva ou estresse.
– Esse caso ainda não se resolveu, Bones? – perguntou uma mulher a um senhor de idade na fila, apontando para o jornal.
– Não, Regina. Ainda não. – respondeu Bones.
– Estranho, né? Os filhos desse Lycan morreram todos de uma vez. E o pai sumiu depois. Acha que ele tem alguma coisa a ver com isso? – perguntou Regina.
– Sabe, Regina, não sei se Lycan fez isso. Você sabe, foi ele quem evoluiu nossa cultura. Acho improvável que ele tenha cometido esse crime brutal, ainda mais com os próprios filhos.
– É, Bones. Mas sempre nos surpreendemos com o caráter das outras pessoas. Você mesmo é a prova disso. Seu cunhado, aquele bêbado, matou a família toda e ninguém sequer suspeitou que era o próprio...
– Regina, você está comparando meu cunhado a Samuel Lycan?
– Sim. Tem algum problema nisso? Que eu saiba, Lycan é uma pessoa normal como todo mundo.
– Bom, essa é a sua opinião...
– Pois é. Mas por que este senhor não anda? Ei você, anda logo, a gente não tem o dia todo!
O homem encapuzado levou um susto, pois estava escutando com atenção a conversa e esquecera que já estava na sua vez. Assim, apressado, entrou na barraca desbotada e suja da cigana.
Frida McSagore era uma velha baixinha que, sentada em seu banquinho de madeira, quase sumia por baixo da mesa. Ao entrar, a cigana pediu ao homem para sentar-se num banquinho imundo em frente a ela. Mas, em vez disso, o homem tirou a capa e se mostrou à anciã.
– Samuel Lycan! – exclamou Frida.
– Sim, sou eu – disse Lycan – Sabe por que eu vim aqui hoje nesse local imundo, sra. McSagore?
– Sinto muito, senhor Lycan. Não faço idéia.
– Ótimo, vou explicar a você.
Lycan, sentindo uma repugnância terrível, sentou no banquinho de madeira e se inclinou para a velha, que cheirava a alho e gatos.
– É o seguinte: ainda faltam alguns meses para o eclipse e eu precisava me consultar com as bruxas Parcas. Mas acontece que eu perdi uma coisa muito importante e eu não posso ficar muito tempo sem saber onde estão. Agora use isso que você chama de clarividência e me diga onde está o que eu perdi. Agora. – disse Lycan em tom baixo e ameaçador.
Frida, assustada, ergueu os braços fracos para pegar na mão de Lycan. Com imensa repulsa, o feiticeiro deixou que a cigana lesse sua mão, passando seus dedos longos e finos na palma da mão dele.
Mas, a cada momento no qual ela tocava na mão de Lycan, a cigana levava um calafrio que sacudia seu corpo frágil. De repente, ela levantou do banco com estrépido e encarou o rosto de Lycan com ódio e repulsa pelo feiticeiro.
– Você... Samuel Lycan... – disse ela, com o dedo em riste na direção do feiticeiro – Você matou seus filhos! VOCÊ OS MATOU! POR GANÂNCIA!
– É, foi isso mesmo – respondeu Lycan.
– Você quer os Talismãs... Os Talismãs do poder... Os Talismãs dos seus filhos!
– Sim, sim, eu quero – disse o feiticeiro, entediado – Me diga logo onde eles estão, vamos poupar tempo...
A cigana arregalou os olhinhos.
– Nunca! Eu nunca diria onde eles estão!
Lycan se levantou rapidamente com um olhar ameaçador.
– Como é que é?
– ISSO MESMO! Seus filhos sacrificaram suas vidas para proteger esse poder. Ele deve permanecer seguro, ele não deve ser de ninguém!
Frida recuou-se para o fundo da tenda enquanto Lycan se aproximava cada vez mais.
– Essa é a sua última chance, sua velha imunda. Onde estão os Talismãs?!
– Eu vejo muito sangue em seu caminho, Samuel Lycan. Sem os Talismãs. Que dirá com eles! ISSO EU NÃO VOU DEIXAR! – e cuspiu no rosto do feiticeiro.
Lycan retirou a saliva grossa do rosto e apontou a mão para a cabeça da cigana.
– Resposta errada.
Antes que ela tivesse tempo de gritar, já estava morta no chão, vítima de um feitiço de lampejo vermelho de Lycan. Antes que alguém resolvesse entrar na cabana, o feiticeiro já abandonara o local com um só pensamento:
“O jeito é esperar mais alguns meses até o próximo eclipse. Com certeza as Parcas saberão me dizer onde estão os malditos Talismãs. Senão ficarei furioso...”


Algo se mexia ao seu lado. Seth acabara de acordar de um sono conturbado e sentia a cabeça latejar da pancada da besta de Gary. Ele tentou se situar para relembrar o que tinha acontecido, mas a escuridão do lugar onde estava o atrapalhava, deixando-o mais sonolento. Uma fraca luz avermelhada de uma tocha pendurada na parede fazia sombras na parede oposta, que se contrastava com um vulto que estava na frente dela.
O vulto, o que quer que fosse, se mexia lentamente e provocava uma sombra enorme na parede contrária à da tocha. Ao se lembrar dos fatos recentes, Seth somou as circunstâncias: primeiro a perseguição, o encurralamento, a pancada, e aquele local sinistro. Ele havia sido capturado e levado para algum lugar, mas não fora morto. Por quê?
Então ele se lembrou de Wallace. De seu sacrifício para salvá-lo e de sua morte brutal. O garoto sentiu raiva. E aquele vulto, ao seu lado, só podia ser um policial ou um vigia. Seth precisava sair daquele tipo de prisão o mais rápido possível.
Virou o rosto lentamente para a direita. O vulto estava agachado de costas para ele, e seus braços denunciavam que ele estava revirando uma espécie de mochila no chão. A mochila de Seth.
O garoto desesperadamente tocou em seu peito e não sentiu o Talismã. Havia sido roubado. Lentamente agachou-se e pulou por cima do vulto, agarrando-o por trás.
O atacado fora pego de surpresa por Seth. Os dois berravam, um pedindo socorro e o outro exigindo seu pertence mais valioso de volta.
– Sai! Larga de mim, LARGA DE MIM!
– DEVOLVE... MEU... TALISMÃ!
Um soco certeiro do atacado atingiu Seth bem no meio do rosto, jogando-o longe.
– Você enlouqueceu? Do que está falando?
– Me devolve meu Talismã, seu desgraçado assassino!
– Mas do que...
Não teve tempo de terminar. Seth deu outra investida nele, dessa vez acertando a cabeça do outro na parede. O garoto arrancou o archote logo acima e apontou para o rosto do vulto.
– Vou falar pela última vez – disse Seth limpando um fio de sangue que saía de sua boca – ME DEVOLVE MEU TALISMÃ!
– Pare de gritar, seu idiota! – murmurou o outro – Os Fiscais vão vir aqui...
– Fiscais, é? Tá legal. E pare de mexer na minha mochila, assassino!
Seth puxou a mochila de uma vez e levou um susto.
– O que foi, não é a sua mochila? – riu o outro. Os dois se encararam – É a minha.
O garoto saiu de cima do vulto. Era apenas outro jovem, mais ou menos da mesma idade que ele, ruivo e com os braços mais avantajados que os dele.
– Ah, me desculpe, pensei que fosse...
De repente, vários homens fardados adentraram correndo aquele pequeno recinto e os imobilizaram.
– Fazendo confusão a essa hora da noite, mestiço? – disse um Fiscal loiro de hálito podre que puxava os cabelos de Seth para trás, com violência – Mal chegou e já faz confusão? Tsc, tsc, tsc.
Uma pancada forte no abdome, vinda de um porrete, o jogou no chão.
– Vai dormir, mestiço – falou o Fiscal loiro.
O porrete subiu no ar e desceu com violência na cabeça do garoto.
Seth desmaiou ali mesmo.


Uma fraca luz solar vinha do alto. Seth foi acordando com uma enxaqueca brutal e sentiu um frio piso de pedra. Lentamente pôs seus dedos na cabeça e constatou uma febre por baixo do couro cabeludo.
Vagarosamente, se sentindo um caco, se sentou. Não era a saleta de que lembrava antes de desmaiar. Era um local menor, abafado e com grades negras na frente. O garoto relembrou a cela na qual fora preso alguns dias antes e percebeu que as duas eram muito parecidas.
De repente um cheiro de comida invadiu suas narinas e ele notou um pequeno prato sujo à sua frente. Seth já estava morrendo de fome, e aquele cheiro só aguçava mais sua vontade. Não era uma comida das melhores, mas era comida e provavelmente a única que iria dispor naquele local.
Sem esperar mais, atracou-se com o pequeno prato e comeu vorazmente. O garoto achou que aquilo não era o suficiente para saciar sua fome, mas receou pedir um pouco mais a um guarda fardado do outro lado da grade.
– Você tem um apetite grande, temos que assumir...
Seth virou-se rapidamente e se arrependeu disso, que só o deixou zonzo. Depois de se sentir com a cabeça no lugar, ele encarou um outro rosto à sua frente, o outro garoto que dividia a saleta com ele no dia anterior.
– O que disse? – perguntou Seth.
– Que você tem um apetite grande. Não é todo mundo que come isso aí – respondeu o outro, apontando para o prato vazio – Isso que eles chamam de comida.
– Ah, vamos lá, ela não é tão ruim assim...
– Então você deve ser um amante da gastronomia, irmão...
Os dois riram juntos.
– Eu sou Seth – apresentou-se o garoto. – E você?
– Alex. Meu nome é Alex. Prazer, Seth.
– O prazer é meu...
Seth e Alex apertaram as mãos.
– A propósito, Seth, pode comer meu almoço. Não estou com fome.
– Ah, obrigado.
Depois de comer rapidamente, Seth entregou o prato a Alex, que o colocou perto da grade para que o guarda o buscasse.
– Alex, que lugar é esse? – perguntou Seth.
– Aqui? Bom, estamos agora na sala de detenção. Nossa, ah, confusão de madrugada nos rendeu um dia aqui.
– Detenção?
– É, é o que eles fazem com quem não se comporta. Tivemos sorte, já peguei um mês inteiro de detenção quando estivemos no Distrito do Fogo.
– Mas... onde estamos, exatamente?
– Meio difícil dizer – disse o ruivo – É uma espécie de prisão temporária, em que eles recolhem pequenos meliantes e outros que desobedecem a ordem nos Distritos. Vou fazer um ano preso aqui.
Seth sentiu um calafrio de pavor.
– Um ano? Caramba, o que você fez?
– Meu pai e eu morávamos sozinhos numa pequena fazenda no município de Nodengard, a alguns quilômetros de Fire City, capital do Distrito do Fogo.
“Nós dois não tínhamos uma condição financeira muito boa, vivíamos da agricultura de subsistência. De vez em quando meu pai ganhava alguns trocados e a gente ia pro centro de Nodengard, onde tinha uma pracinha com algumas atrações e, se me permite dizer, algumas garotas bonitas também.
“Acontece que o rei do Distrito do Fogo, sir Sanchez de la Bognia, decretou um aumento exorbitante dos impostos. Meu pai não podia pagar tudo aquilo. Para você ter uma idéia, Seth, os impostos aumentaram de vinte Lycandollars para cento e cinqüenta Lycandollars...
“Um dia, por meu pai não ter pago os impostos, os soldados da corte invadiram a minha casa e levaram quase tudo o que tinha. Meu pai ficou desolado, pois não podia impedir a ação daqueles canalhas. Mas eu não deixei passar. Tentei impedi-los eu mesmo, mas não consegui muitos resultados. Foi por isso que eles me trouxeram para cá um ano atrás.
– Mas passar um ano inteiro por causa de uma coisa simples dessa?
– Bom, é assim que funciona aqui. Por exemplo, fui capturado no Distrito do Fogo. Três meses depois todo mundo que estava lá numa prisão feito essa foi transferido para o Distrito do Ar. Do Distrito do Ar para o da Água, depois para o da Terra, e por último aqui no Distrito do Raio. Próxima semana nós todos vamos para o Distrito do Fogo novamente e lá nos julgarão. Quem tiver uma boa conduta é liberado. Quem não tiver, é preso numa cadeia oficial.
– E você teve uma boa conduta? – perguntou Seth, risonho.
– Não – riu Alex – Na verdade essa deve ser minha vigésima detenção.
– Mas não lhe preocupa que você possa ser preso oficialmente?
– Já me acostumei com essa idéia...
Um Fiscal passou em frente à cela e recolheu os pratos com estrondo. Com uma voz gutural avisou que os dois iam ser liberados no dia seguinte, pela manhã.
¬– Ótimo – disse Alex – Amanhã cedo está bom.
– Qual o máximo de tempo você já pegou de detenção? – perguntou Seth.
– Ah, duas semanas... Mas e você, Seth, porque está aqui?
– Bem, sou um mestiço. Eles me pegaram na fuga, no centro de Thunder City.
– Caramba... Me conta como foi!
Passaram o resto da tarde conversando sobre diversos assuntos. Seth teve o cuidado de não mencionar o Kathegetes Omega, mesmo que Alex parecesse uma boa pessoa. Não ia deixar acontecer a mesma coisa que aconteceu com ele e Wallace.
Com o passar das horas, os dois garotos iam ficando cada vez mais amigos. Seth não teve muito contato com outros garotos de sua idade na vida, por isso discutir diversos assuntos com alguém que pensasse parecido com ele era extremamente divertido e logo esqueceu sua dor de cabeça, retirando dela todas as suas preocupações recentes.
No dia seguinte o garoto acordou bem-disposto com um cutucão dado por Alex. O Fiscal de voz gutural abria a cela em que estavam ao mesmo tempo em que alertava uma nova detenção se houvesse confusão novamente. O que os Fiscais de lá não entendiam é como dois garotos que haviam brigado saíram da detenção mais felizes do que quando entraram.
Depois de passarem por um corredor extenso cheio de celas iguais à deles, Alex disse feliz:
– Vem, Seth, quero que você conheça algumas pessoas.
O extenso corredor terminava num galpão enorme, lotado de pessoas. Desse galpão todo revestido de pedras, entravam pequenos corredores que iam para as saletas em que cada um dormia.
– É sempre cheio assim? – perguntou Seth.
– Somente aqui – respondeu Alex – O Distrito do Raio é o ponto final. O Distrito do Fogo é o mais vago porque é o ponto inicial. E, na ordem que eu lhe falei ontem, vai aumentando gradativamente.
– Entendi...
As pessoas lá ficavam em grupos, recostados nas paredes. Assim, a passagem central ficava livre, que era monitorada por dezenas de Fiscais armados com bestas.
– Alex, você disse que queria que eu conhecesse algumas pessoas... – lembrou Seth.
– Eu sei, estamos quase chegando...
Mais ou menos na metade do galpão ficava algumas pessoas em grupos que o garoto supôs serem fogoanos. Segundo a descrição de Alex, o Distrito do Fogo era onde os três Sóis incidiam mais forte, conseqüentemente deixando os cidadãos mais bronzeados. Era lá que ficava uma maior concentração de negros e morenos. Somente uma pequena minoria, como Alex, era de pele branca.
À medida que andavam por ali, as pessoas cumprimentavam Alex, como se o conhecessem. E o ruivo cumprimentava de volta todas elas, com apertos de mão. Depois de alguns minutos, sentaram-se num canto do pé da parede e puseram-se a esperar alguém.
De tempos em tempos, Alex consultava um enorme relógio central no teto do galpão. Cerca de dez minutos depois, alguém sentou ao lado do ruivo.
– Desculpe a demora, Alex – disse uma voz jovem feminina – Demorei a acordar.
– Tudo bem – disse Alex – E a Kyra?
– Já está vindo – respondeu a garota – Não vai demorar, estava terminando de tomar o café.
A garota ao lado de Alex retirou o capuz do moletom e sorriu para o amigo. Tinha a mesma idade dos dois, aproximadamente. Ao colocar o capuz para trás, ajeitou os óculos de aros negros e passou uma das mãos no cabelo curto e cinzento.
– Hum, e que é esse? – perguntou ela.
– Ah, sim – lembrou Alex – Lila, este é o Seth. Seth, esta é a minha amiga Lila, a garota gênio...
– Não exagera, Alex – riu Lila – Prazer, Seth.
– Prazer – respondeu Seth.
Os dois apertaram as mãos. A garota então virou-se novamente para o ruivo.
– Alex, ouvi dizer que você pegou detenção de novo. O que foi dessa vez?
– Um mal-entendido entre eu e meu amigo aqui, o Seth. Fizemos um pouco de barulho de madrugada...
Os três riram.
– Mas eis quem chega finalmente! Kyra! Aqui! – acenou Alex.
Outra jovem da idade dos três veio correndo em direção a eles. De longe viu que ela possuía um corpo bonito e usava um lenço vermelho na cabeça.
– Me desculpem a demora – disse Kyra – O café hoje não estava bom... E aí, beleza? Quem é você?
– Seth – respondeu o garoto – Ah, conheci o Alex ontem e a Lila hoje...
– Prazer, então. Sou Kyra – disse a garota.
Apertaram as mãos, exatamente como Lila e ele.
– Alex, é verdade que você pegou detenção de novo? – perguntou Kyra, tirando o lenço vermelho da cabeça.
A garota era extremamente bonita. Para Seth, todo o galpão ficara mais bonito com a chegada dela. Mas ficou surpreso com os cabelos de Kyra. Eram compridos e lisos, levemente ondulados.
E azuis.
– Nossa, você tem cabelo azul! – exclamou Seth.
– É, é bem diferente mesmo – comentou Lila.
– Genético – explicou Kyra – Minha mãe também tem cabelo azul.
– Muito legal. Diferente, mas é bonito. – disse o garoto.
Então os olhos de Kyra e Seth se cruzaram e o estômago dele revirou.
Os olhos dela eram lindos olhos azuis. Mas não eram olhos comuns. Tinham um brilho diferente. Era um azul diferente, nem tão claro, nem tão escuro.
Era da cor de safira.
– Seth, você está bem? – perguntou Lila.
“Cassandra Futuro disse que todos eles estavam num mesmo lugar. Então, só pode ser...”, pensou Seth.
O garoto olhou para os olhos de Alex e viu pupilas da cor do rubi. E, com o coração à mil, olhou os olhos de Lila, onde a opala brilhava indagadora de volta para ele.
Seth não agüentou mais. Desmaiou na frente dos outros três.


Seth abriu os olhos devagar. Estava novamente deitado onde ele reconheceu como ser a saleta-quarto onde ele e Alex dormiam. Alguns sussurros incompreensíveis vinham da direção da porta e, à sombra de dois archotes, o garoto percebeu mais três corpos o observando.
– Caramba, já estou cansando de tanto desmaiar...
Alex, Kyra e Lila o olhavam preocupados da entrada.
– O que aconteceu?
– “O que aconteceu?”, ele disse – repetiu Alex – Seth você deu um susto e tanto na gente mais cedo...
– É, foi mesmo – confirmou Lila – Mas diz aí, Seth, você tem, sei lá, algum problema, ou doença que te faz desmaiar tanto?
– Que eu saiba não – respondeu ele – Mas hoje eu desmaiei de surpresa e felicidade...
Os três se entreolharam.
– Como assim? – perguntou Kyra.
Antes de responder, Seth se levantou e conseguiu abraçar os novos amigos, todos de uma vez.
– Porque eu achei vocês... Eu finalmente achei vocês! Pensei que fosse demorar muito mais, pensei que fossem mais velhos ou mais novos... Mas somos todos da mesma idade! Mais uma peripécia do destino...
Alex se afastou rindo.
– Cara, você enlouqueceu? Que conversa estranha, meu...
– É, tem razão, do que você está falando?
Seth desfez o abraço sorrindo.
– Realmente, Lila, preciso contar a vocês a minha história, aí vão entender... Ela só é meio longa, nós temos tempo?
– Se não houver barulho, os Fiscais não vão nem se incomodar... – informou Kyra.
Os quatro se sentaram no pé da parede, embaixo de um dos archotes.
– Sinto muito não ter mencionado essa parte a você, Alex, mas minhas experiências recentes confirmaram que confiar em qualquer um quase sempre dá errado...
– Não, tudo bem – disse Alex – Pode começar.
Seth pigarreou.
– Bom, tudo começa no começo da semana passada, onde eu descobri fatos sobre minha vida que eu desconhecia até então. Mas não são fatos comuns. São extraordinários, até. Vou tentar resumir tudo para vocês, de um jeito que fique melhor de entender, e, por favor, dúvidas só no final. Certo?
“De início, saibam que nem tudo o que sabem sobre Samuel Lycan é verdade. Há pontos obscuros na vida dele que poucos conhecem. Na realidade, ele não matou os filhos e se arrependeu. Não, não. Ele foi até o fim para saber onde os Talismãs estavam escondidos.
“Ao descobrir que esses objetos foram muito bem guardados nos castelos dos Distritos, e que seu filho, Derek Lycanthunder, antes de morrer jurou que mil anos depois voltaria para destruir o pai, Lycan resolveu se submeter a um sono profundo e esperar mil anos até que a reencarnação do filho venha para destruí-lo.
“A pessoa que viria como a reencarnação de Derek foi chamada de Kathegetes Omega. A missão dele é encontrar os descendentes dos filhos de Lycan e, juntos, pegar os Talismãs antes que Lycan os pegue primeiro.
Seth ia continuar falando, mas Kyra o interrompeu.
– Certo, e onde a gente entra nisso?
– Não é claro? – perguntou o garoto – Vocês são os descendentes de Lycan!
Alex teve um acesso de riso misturado com uma forte tosse.
– Nós? Descendentes de Lycan? – e riu novamente.
– Como você tem certeza disso? – perguntou Kyra.
– Existe um livro, escrito por Cassandra Futuro, uma das Ciganas do Oráculo – explicou Seth –, que dá as características exatas dos herdeiros. Ela menciona a cor dos olhos deles, que correspondem às cores de pedras preciosas.
O garoto se levantou.
– O Alex, por exemplo, tem olhos da cor do rubi...
– Tem mesmo – confirmou Kyra.
– Não tenho não – defendeu-se o ruivo – Quer dizer, acho que tenho sim... Nunca reparei nisso antes.
Seth virou-se de joelhos.
– Kyra, você tem olhos de safira... E a Lila tem olhos de opala!
– Caramba... É mesmo... – disse Alex, olhando para as amigas.
– E a cor do cabelo também – continuou Seth – O Herdeiro tem a cor de seu cabelo da cor que representa seu elemento. Alex, seu cabelo é vermelho porque simboliza o fogo. O da Kyra é azul da água. E o da Lila é cinzento do ar!
Kyra também ajoelhou-se.
– O seu, Seth, é loiro que representa o...
– Raio. Junto com meus olhos, que são da cor do topázio.
– Talvez faça sentido – disse Alex – Mas como provar?
– Ele tem razão.
Lila, que estava calada, recuperou-se de seu transe.
– Por quê?
– Porque eu já li o livro de Cassandra Futuro. O Seth realmente é o Kathegetes Omega. Tem todas as características de descendente de Derek Lycanthunder.
Seth sorriu. Alex e Kyra ficaram pensativos.
– Eu acredito na Lila – disse Kyra – Conseqüentemente eu acredito em você também, Seth.
– Obrigado...
– É... Eu também – murmurou Alex.
– Mas, Seth, a missão do Kathegetes é seguir o mundo atrás dos Talismãs – alertou Lila – Como vamos andar por aí se não podemos nem sair daqui?
– Não se preocupem – disse Seth – Eu tenho um plano.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Capítulo Quatro - A Partida e a Captura

SETH ACORDOU INDISPOSTO AQUELE DIA. AGORA PASSAVA várias horas treinando incessantemente com as espadas, que jaziam no canto do quarto. Desceu para a cozinha, mas a sua surpresa foi ver o avô fazendo o café da manhã, feliz da vida.
– Ah, o senhor está aqui? – perguntou o garoto, cansado – Pensei que tivesse dito que ia viajar...
– E eu ia – respondeu Josef, risonho – Mas hoje é um dia especial e eu não poderia viajar assim.
– Dia especial? Como assim?
O avô encarou Seth nos olhos e encheu o peito de orgulho com o que ia dizer, mas só pelo brilho dos olhos amarelos de Josef, o garoto já sabia o que ele ia dizer.
– Hoje é o grande dia! O dia em que você vai atrás dos Talismãs!
Seth rodou os olhos para cima.
– Vô, já conversamos sobre isso... eu acho que não estou pronto ainda para isso. Quero dizer – disse ao ver a cara de desaprovação do avô –, não sei o que me espera lá fora. É um mundo bastante grande, sabia?
– Eu sei, mas...
– E outra coisa, posso demorar anos para achar os herdeiros. Porque eu sei que não vou conseguir passar pelos tais titãs sozinho. Mesmo com as habilidades novas do Talismã.
Josef encarou o chão, desapontado.
– Mas você está treinando há uma semana! E está se saindo muito bem. Eu tenho fé nos Deuses de que você vai encontrar seus companheiros muito em breve... Mas você não quer tentar, Seth!
– O senhor falando desse jeito até parece que quer a minha saída. Que eu vá embora...
O avô contornou a mesa e abraçou o neto. Um abraço forte, que comoveu o garoto.
– A última coisa que eu queria é que você fosse embora, Seth. Mas não temos escolha. O planeta está em perigo. E, infelizmente, só você pode impedir isso. É uma judiação fazer isso com um adolescente, mas não podemos fazer nada...
De repente, algo quente e molhado pingou na cabeça de Seth. Torcendo para que não fosse o que ele estava pensando, outros pingos vieram em cascata, seguidos de um barulhinho fino do nariz do avô.
Querendo mais do que tudo sair dali, o garoto deu graças aos Deuses quando a campanhia tocou e Josef foi atender limpando o nariz no avental de cozinheiro.
De seu quarto, para onde foi o mais rápido possível, Seth ouviu o avô conversando com a Sra. Diaz, enquanto ela perguntava se estava tudo bem com ele.
O garoto ficou encarando o teto do sobrado e pensou muito sobre a busca dos Talismãs.
– O Josef deve ser extremamente devoto aos Talismãs para deixar-me ir enfrentar o mundo. Ele tem razão, Lycan realmente deve ter acordado, embora não faça muito sentido. Mesmo assim, eu vou hoje. Arrumo minhas coisas e à tarde eu parto.
Seth virou-se na cama e encarou um retrato antigo de seu pai e sua mãe.
– Vovô, espero realmente que esteja certo.


A manhã na casa de Josef foi dedicada inteiramente para a procura de qualquer coisa que Seth pudesse levar na jornada. O máximo de roupas possível, comida, objetos de higiene pessoal, outros pertences adjacentes, o Talismã e as espadas.
– Como nós vamos levar tudo isso... nisso? – disse Seth, segurando uma mochila um tanto velha, mas bastante resistente.
– Bom – disse o avô, encarando a pilha de coisas –, se você perceber, nas laterais da mochila eu costurei suportes para você encaixar as espadas. Assim não precisa levar na mão.
– Vô, você é um gênio. Mas e o resto das coisas?
– Hum... Vamos ver... Teremos que cortar algumas coisas desnecessárias...
– Pensei que já tivéssemos feito isso – disse o garoto, risonho.
– Realmente, você tem razão – disse o avô, rindo – Tiraremos a comida. Seth, você colocou muita comida aí.
– Isso é o mínimo para me manter vivo durante um mês, mais ou menos...
– Pelo o amor dos Deuses, aí tem comida para alimentar uma família inteira por um mês!
– Qual é, não tem tanto assim...
– Não, não, não! A gente tira a metade disso aí. Acho que cabe o resto junto.
– A metade? – disse Seth – Aí eu volto daqui a quinze dias para pegar mais...
– Numa emergência, a Sra. Diaz deixou uns bolos aqui para você. Quando ela passou mais cedo.
– Como assim, ela sabe que eu vou... partir?
O avô pareceu pensativo.
– Você sabe que praticamente só temos contato com ela, não é? Alguns anos atrás eu emprestei o livro de Cassandra Futuro a ela, e a Sra. Diaz acreditou na história verdadeira de Lycan. É, meu neto, ela sabe que você é o Kathegetes Omega e conhece sua missão.
– E o que ela disse a respeito disso? – perguntou o garoto.
– Que vai rezar todos os dias aos Deuses para que você se saia bem e consiga juntar os Talismãs. – disse o velho, por fim. – Bom, vamos terminar e almoçar? Estou morrendo de fome.
– Eu que o diga – falou Seth, sorrindo.
Josef e Seth terminaram juntos a arrumação e foram almoçar. Depois de um rápido descanso, começaram a se preparar para a partida. A mochila parecia estar carregando o mundo inteiro dentro de tão pesada, e ficava um pouco desconfortável andar com as espadas penduradas nas laterais.
– Mas, tirando isso, tudo certo – disse Seth por fim.
Avô e neto ficaram se encarando um tempo, até o garoto quebrar o silêncio.
– Bom, é isso. Já está na hora... Tudo bem, vô?
Josef estava parado encarando Seth, então de repente começaram a cair lágrimas de seus olhos amarelos. Com o peito estufado disse:
– Eu sempre sonhei com esse dia... E ele finalmente se realizou. Obrigado, Seth.
E os dois se abraçaram mais uma vez, só que dessa vez mais demoradamente. Seth também deixou uma ou duas lágrimas rolarem por seu rosto antes do avô lhe surpreender com uma afirmação:
– Eu te amo, meu neto.
– Eu também, vô.
E ficaram ali, abraçados, até o avô se lembrar de que o garoto precisava partir.
– Bom, eu queria ir com você, mas – Josef pigarreou – não dá. Ah, eu já ia me esquecendo...
O velho foi até o interior da casa e voltou com uma pequena bolsa de couro.
– Tome, para você.
– O que é? – perguntou o garoto, remexendo a bolsa nos dedos.
– Mil Lycandollars.
A bolsa caiu no chão com estrépido, fazendo um barulho baixinho.
– Mil Lycandollars? MIL? O senhor enlouqueceu?
Josef deu uma risadinha fina.
– É, Seth. Para bancar as despesas da viagem que você tiver. Só não gaste tudo de uma vez, hein?
– Mas vô, é todo o dinheiro das economias...
– Não tem problema, vou morar sozinho agora, tem o dinheiro da aposentadoria e, numa emergência, tem a Sra. Diaz bem aqui do lado. Pegue a bolsa e guarde bem, certo?
Seth sorriu.
– Seu velho doido...
– É a idade, as pessoas vão ficando mais birutas...
Um último abraço, recomendações de última hora, checagem rápida das coisas e mais nada precisava ser feito na casa. E foi com uma sensação de desconforto que Seth cruzou o arco da porta e saiu.
– Boa sorte, Seth! – gritou a Sra. Diaz da casa dela.
A filha da vizinha, um bebezinho nos braços da mãe, também acenava.
– Obrigado, Sra. Diaz!
A placa do vilarejo Derghan parecia estar bem longe. Foi aí que o garoto percebeu que nunca notara a beleza do jardim da vila. Quando voltasse iria aproveitar mais a vida, como nunca fizera de verdade.
Ao passar pela placa, pôs a touca para esconder as orelhas e os óculos escuros para impedir a visualização de seus olhos de cobra. Uma última olhada na vizinha que ainda acenava, Seth caminhou pela trilha, sem olhar para trás.


Como era a primeira vez que visitava o Distrito do Raio, o garoto resolveu passar em Thunder City antes de prosseguir viagem. Nunca estivera nas cidades grandes; nos outros Distritos sempre morara no subúrbio, para não dar na vista.
Thunder City era, de longe, a coisa mais incrível que Seth jamais vira na vida. Centenas ou até milhares de pessoas andavam por aquelas calçadas, onde outras centenas de vendedores e mercadores se aglomeravam para tentar vender seu produto. Seth se sentiu tentado a comprar um monte de coisas, mas ao perceber que não havia espaço na mochila e que tudo o que vira era somente bugigangas, preferiu apenas olhar, embora a mão ficasse coçando para usar os mil Lycandollars dentro da bolsinha de couro. Nunca tivera em mãos tanto dinheiro na vida.
Também tentava focalizar os rostos de cada pedestre que passava por ele. Seguindo a orientação de Josef, os herdeiros de Lycan geralmente tinham olhos da cor de pedras preciosas ou semi-preciosas. Mas todas as pessoas pareciam ter olhos comuns, castanhos, negros, azuis e verdes. E nada de olhos especiais.
Absorto em seus pensamentos, tropeçou em alguém no meio da rua.
– Ei, garoto, olha por onde anda!
– Desculpe, senhor – disse Seth. Então percebeu que havia uma aglomeração de pessoas na calçada, todos com ponta dos pés, tentando olhar algo um pouco mais adiante.
– Eh.. com licença – pediu ele ao homem no qual tropeçara – O que está acontecendo ali adiante?
– Não sei, também quero ver – disse ele, mal-humorado.
O garoto se esticou para ver o que era. De longe, parecia ser uma pessoa fazendo uma demonstração de alguma coisa.
Com alguma dificuldade, Seth atravessou a multidão para chegar mais perto. Então foi surpreendido com uma salva de palmas enquanto um homenzinho se curvava logo adiante para agradecer.
– Agora, meu próximo número... – disse ele.
O homenzinho tirou uma bola vermelha de dentro de sua capa roxa e ficou brincando com ela de aparecer e desaparecer em suas mãos. A cada novo truque o público aplaudia cada vez mais, e o garoto acabou ficando por lá mesmo, assistindo.
Depois de várias mágicas, o homenzinho parou para descansar e algumas pessoas saíram, deixando Seth mais próximo do palco. Como estava próximo, conseguiu falar com o mágico.
– Muito legal isso que você fez – disse ele – Como faz?
O homenzinho riu.
– Meu rapaz, um bom mágico nunca revela seus truques!
– Eu queria aprender...
– Você não tem cara de mágico – falou o outro – Tem cara de aventureiro. E além do mais... Ei, cuidado!
De repente, um cotovelo protuberante atingiu Seth no rosto, quebrando os óculos bem no meio. Caiu no chão atordoado, mas sentiu o peso da mochila saindo de seus ombros...
– Volta aqui com a minha mochila! – gritou ele para um homem que, atracado com a mochila de Seth, vencia a multidão e saía para a rua.
O garoto se levantou rapidamente e se pôs a correr o mais rápido que podia, derrubando pessoas e algumas lojinhas postas na calçada.
Mesmo com um peso grande nos braços, o homem ainda corria rápido. Depois de se ver livre do aperto das pessoas, Seth quase voou atrás do ladrão, que distanciava cada vez mais.
Depois de um tempo correndo sem cansar, o ladrão parou no final da calçada, onde começava uma avenida altamente movimentada. O Kathegetes facilmente o alcançou, agarrando o seu ombro, pronto para revidar qualquer ataque do assaltante. Mas algo muito estranho aconteceu.
Um impulso elétrico saiu do Talismã em seu peito, percorreu seu tórax, seu braço e o ombro do ladrão. O homem soltou a mochila dos braços e se ergueu no ar, a uns cinco metros do chão e caiu com estrondo no meio da avenida.
Espantado com o que acontecera, Seth caiu sentado no chão e sentiu a touca deslizar para fora de sua cabeça. Já ia recolocá-la, mas um estrondo seguido de um baque surdo tirou todos os seus pensamentos da cabeça. Uma carruagem passara inteiramente por cima do assaltante, que agora estava imóvel no chão e jorrando sangue.
O garoto deu um grito estridente ao ver que o ladrão poderia estar morto no chão. De repente, algo agarrou sua cabeça e o ergueu do chão. Espantado, virou-se e se deparou com um negro gigante de mais de dois metros e uma cara nada amigável.
– Como isso aconteceu? – perguntou o negro, que era policial.
– Isso o quê?
– Não se faça de idiota, garoto. Como aquilo aconteceu? – disse ele, apontando para a avenida.
Agora a avenida toda parara e um grupo de policiais interrogava o cocheiro da carruagem que atropelara o assaltante. Um outro grupo examinava o ferido no chão. Um policial desse grupo chamou o negro:
– Gary, vem cá!
Seth caiu no chão com estrépido. Gary, o policial, foi até o grupo e sua voz grave ressoou:
– Como ele está?
– Muito mal – disse um dos policiais – Mas está vivo. Precisa ir pro hospital imediatamente.
Um outro policial veio correndo na direção do grupo:
– Ei, Gary! Precisa saber de uma coisa!
Os dois conversaram baixo, mas o outro policial ficava o tempo todo apontando para Seth. Antes que tivesse tempo de reagir, Gary correu e o levantou pela gola da camisa, exatamente como Roger fizera antes.
– Como você fez isso? – perguntou ele, ameaçador – Que tipo de mágica você estava usando, hein moleque? Me fala! Me...
Então seus olhos se arregalaram enquanto olhava para Seth. Instintivamente, o garoto pôs a mão na cabeça e não sentiu a touca.
– Droga...
Gary o soltou e, o mais rápido que pôde, agarrou a mochila e se pôs a correr, enquanto o policial gritava para os outros:
– Ele é um mestiço! Peguem-no!
Não adiantava correr muito com todo aquele peso nas costas. O garoto preferiria manter o pique, mas os policiais corriam rapidamente e alguns até já estavam entrando em carruagens.
– Não adianta correr! – a voz grave de Gary ressoava lá de trás – Anda, me dá uma besta!
A flecha errou a cabeça de Seth por pouco. O garoto tentou apressar mais o passo, mas era impossível. Então ouviu uma gritaria lá atrás, mas preferiu não olhar, pois mais flechas cortavam o ar na sua direção.
– Desgraçado! – gritou Gary – Vão atrás do garoto, eu cuido desse cara!
Não resistindo à curiosidade, Seth olhou para trás. Viu rapidamente o que parecia ser um homem montado num tipo de animal e...
BAM.
A mochila caiu com muito barulho no chão, ao passo que o garoto berrava de dor depois de bater de encontro com uma parede. De ouvido na calçada, sentiu um policial se aproximar dele. O mais rápido que conseguiu, se colocou de pé e apertou as duas espadas em suas mãos.
O oficial, um tanto roliço, apontava uma besta para ele, carregada com uma flecha pontiaguda. Seth ergueu as espadas em posição de ataque.
O policial riu.
– Vamos ver se a sua espada é mais rápida que a minha flecha!
– Vamos ver... – murmurou o garoto.
Já estava pronto para atacar, quando um barulho de objeto cortando o ar e rasgando uma roupa, somado a um jorro de sangue no rosto do garoto o fez soltar as armas, ao passo que o policial largava a besta no chão e apalpava o peito. O oficial havia sido trespassado com uma adaga.
Com um ruído seco, o homem caiu no chão e o garoto pôde ver o cabo da adaga que o acertara pelas costas. Erguendo um pouco a visão, teve a impressão que vinha em sua direção um monstro gigantesco. Já estava recolhendo as espadas novamente quando uma voz conhecida gritou para ele:
– Venha, Seth!
Uma mão o puxou para cima do monstro. Desesperado, tentou se livrar, mas a voz falou novamente:
– Calma, sou eu, Wallace Vankster.
Seth parou de se debater e encarou o rosto do homem que o traíra.
– Wallace? O que faz aqui?
– Salvando a sua vida – disse ele. E mostrou um conjunto de adagas em sua mão.
– Foi você que matou o policial?!
– Ou ele, ou você.
George andava rápido, embora estivesse com mais bugigangas do que nunca.
– Para onde nós vamos? – perguntou o garoto.
– Primeiro sairemos daqui.
Wallace ateou o gromt mais depressa. Desesperado, Seth olhou para trás e viu uns quinze policiais vindo atrás deles, todos dentro de uma carruagem.
– O que faremos?
– Faça o mesmo o que você fez contra aquele cara lá na feira.
– Eu não sei como eu fiz aquilo... Eu só fiz, entende?
– Sei – disse Wallace, contrariado – Faça o seguinte: pegue as rédeas do George; vou tentar acertar alguns policiais.
Com alguma dificuldade, os dois trocaram de lugar em cima do gromt. Virado para trás, Wallace atirava adagas nos oficiais. E o horrível som de algo pontiagudo penetrando na carne confirmava que o mercenário estava acertando o alvo.
– Wallace! Wallace! – berrou Seth.
– Que é?
– Socorro!
– Que m.. – e se virou.
O gromt se dirigia para a beira de um penhasco. Desesperado, Wallace apertou as rédeas de George para que ele mudasse a direção. Mas uma flecha cortou o ar e atravessou a cabeça do camelo de três corcovas.
Um barulho de centenas de objetos metálicos caindo no chão ressoou nas montanhas enquanto Wallace e Seth caíam com estrépido no chão.
– Mas que m... – praguejou o garoto.
Wallace berrou ao ver seu animal de estimação e montaria morto no chão e jorrando sangue.
– Desgraçados... Vão me pagar...
– Wallace, e agora? O que vamos fazer?
O mercenário virou-se de uma vez e, com a mão cheia de adagas, correu na direção da carruagem policial.
– Wallace, não! – berrou Seth, inutilmente.
Da estrada, o homem lançou uma adaga e acertou em cheio um dos cavalos da carruagem. Como o outro não conseguiria levar o meio de transporte sozinho, os oficiais foram obrigados a descer. E juntos, um grupo saiu armado com bestas.
– Podem vir... – e jogou uma adaga, errando por pouco o policial Gary – seus... – e lançou outra adaga, atingindo em cheio o peito de um deles – desgraçados!
Uma chuva de flechas veio na direção de Wallace, mas ele desviou com uma esquiva quase inimaginável.
– Wallace, venha! Proteja-se! – gritava Seth.
Depois de alguns minutos, Wallace deparou-se com as mãos vazias, sem adagas. Aproveitando que possuíam uma aljava toda carregada de flechas, os policiais, que agora eram sete, atiravam sem parar no mercenário, que se protegia atrás do gromt morto.
– Já chega – murmurou ele.
Empunhando uma espada retirada do monte de bugigangas de George, Wallace correu na direção dos policiais, desviando as flechas com uma habilidade incrível.
– Morram desgraçados! – berrou o mercenário.
Mas não chegou a ficar perto o suficiente para atingir um dos oficiais. Uma flecha certeira, lançada por Gary, atingira Wallace no ombro, derrubando-o junto com a espada no chão.
– NÃO! WALLACE! WALLACE! – berrou Seth, empunhando as espadas e se dirigindo ao amigo caído.
Cinco policiais foram em cima de Wallace, enquanto Gary e um outro correram na direção do garoto. Seth estava pronto para atacar quando, de esguelha, viu os outros cinco policiais atirarem flechas contra o corpo caído do mercenário no chão.
– SEUS DESGRAÇADOS! VÃO PAGAR POR ISSO!
O garoto correu contra o policial que estava na frente e o atacou. As lâminas das espadas cortaram a besta no meio e, por meio de um impulso elétrico, fizeram com que o oficial se erguesse no ar e fosse parar longe.
Parou abruptamente e olhou as suas espadas. Uma espécie de corrente elétrica circulava as lâminas, como pequenos raios. Então uma flecha lançada por Gary logo à sua frente o tirou de seus devaneios e fez Seth cortá-la no ar com um golpe.
– Malditos... Vocês o mataram... VOCÊS O MATARAM!
– E essa vai ser a sua vez, mestiço imundo – disse Gary.
O policial buscou por uma flecha na aljava presa às suas costas, mas não achou nada.
– Mas que m...
– O que aconteceu? – Seth riu ironicamente – Acabou a munição?
Gary encarou o garoto.
– Posso acabar com você sem munição, mestiço.
– Prove!
Seth correu na direção do policial com os braços estendidos e um ódio mortal. Mas um movimento rápido de Gary o pegou de surpresa. A besta vinha voando a toda velocidade em sua direção.
BAQUE.
Um ruído surdo. E tudo se apagou.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Capítulo Três - O Talismã do Raio

Um homem andava por um corredor escuro, pensativo. Ele tinha de falar com eles, era urgente demais. Cometera um assassinato, tinha certeza que aniquilara seus mais prováveis inimigos. Mas eles tinham lhe escondido algo. Um objeto de poder imenso, que era seu por natureza.
O corredor terminava numa porta preta de madeira. Ela era contornada por um aro de ferro muito enferrujado. Achava aquele lugar nojento, mas precisava estar ali, senão jamais chegaria perto de lá. Sentindo uma imensa náusea ao tocar a maçaneta ensebada, ele virou-a e a porta abriu com um rangido.
A sala era totalmente diferente do corredor de pedra mal iluminado. Era muito bem iluminada, com cores vivas. Suas paredes eram carregadas de prateleiras cheias de numerosos objetos que zuniam, centenas de livros e, bem no centro, acima da lareira em que crepitavam chamas vermelho-sangue, estava um quadro com dois jovens sorridentes, um a cópia do outro.
Passando particularmente longe de um vidro que expelia um líquido viscoso cinza com cheiro de acre, ele alcançou o centro da sala, em que havia uma pequena mesa circular. Nessa mesa repousava uma esfera transparente do tamanho de uma bola de basquete e, ao seu lado, uma sineta.
Ele pressionou o dedo três vezes no botão de cima e o sino tocou brevemente. Logo depois um jovem apareceu de uma porta localizada num canto. Ao chegar, pareceu levemente apreensivo, mas abriu um largo sorriso ao ver quem estava plantado no meio de sua sala.
– Ah, Samuel – disse sorridente – Sabia que viria aqui!
– Claro – murmurou Lycan de mau humor.
O jovem virou-se e gritou para a porta de onde viera:
– Ei, Joe! Veja só quem veio nos fazer uma visita!
Outro jovem cruzou a porta, igualmente apreensivo, mas sorriu ao ver Lycan. O homem percebeu que ele era exatamente igual ao outro.
– Samuel! Sabia que viria! – disse Joe.
– Foi o que disse a ele – respondeu Jake.
– Já chega – explodiu Lycan – Vim porque preciso de uma coisa muito importante.
Os gêmeos se entreolharam.
– Então...? – perguntou Jake.
– Perdi... algo muito importante – respondeu Lycan – E preciso que vocês achem para mim.
– Quando você perdeu isso? – perguntou Joe.
– Há algum tempo.
– Quando? – insistiu Jake.
– Sei lá, alguns meses – respondeu Lycan, irritado – Mas não vejo em que isso vai ajudar!
Jake e Joe começaram a rir.
– Samuel, somos os Gêmeos do Oráculo, filhos de Dinah Passado, é verdade – explicou Jake.
– Mas infelizmente não possuímos o poder de nossa falecida mamãe ou da nossa viva, embora meio ruim do juízo, tia Cassandra Futuro – completou Joe e Lycan teve uma rápida contração ao ouvir o nome da vidente – Apenas vemos o presente.
– Ou seja, se perdeu algo há meses, infelizmente não podemos ajudá-lo.
– A não ser que você procure a tia Cassandra, ela sim vai poder lhe responder o que procura.
– Isto é, se você ainda conseguir ouvir alguma palavra do que ela diz. Ela não fala direito há alguns meses. Foi muito estranho.
– Mas você ainda pode tentar as bruxas Parcas. Elas sim podem dizer o passado, o presente e o futuro.
– O único problema é que faltam meses para o próximo eclipse – comentou Jake – Ou seja, elas devem estar aproveitando agora as praias do Distrito da Água.
– Já imaginou, Jake, as Bruxas do Eclipse de maiô?! – riu Joe.
Lycan estava tentando se controlar, mas não conseguiu.
– Calem a boca! Vocês são inúteis, nem sei porque vim aqui!
– Será que é porque nós somos lindos, Joe?
– Lindo sou eu, Jake. Você é feio.
Os dois caíram no riso outra vez. Lycan deu as costas a eles e murmurou um “Adeus” antes de cruzar a porta. Depois de fechá-la, ele ainda ouviu de um dos Gêmeos do Oráculo:
– Volte sempre, Samuel!
“Quando eu voltar, vocês já estarão mortos”, pensou Lycan amargamente.


Seth abriu os olhos tão repentinamente que ele podia jurar sentir a última luz de seu sonho passar por eles em uma fração de segundo. Se arrependeu disso, pois a luz que entrava pelas cortinas mal-fechadas da noite anterior furou seus olhos amarelos até o cérebro.
Levantou-se de uma vez, esfregando o rosto. Sua cabeça latejava, ainda lembrando das batidas no chão frio do pátio do colégio. Latejava tanto que o garoto resolveu tomar banho para esfriá-la. Foi então que percebeu que devia fazer quase vinte e quatro horas que tomara o último banho. Sentindo-se um lixo, caminhou até o banheiro e trancou a porta.
Observou tristemente sua própria imagem no espelho. Um arranhado vermelho se juntou ao seu queixo e havia marcas de sangue seco embaixo de seu nariz. E, virando-se para outro lado, tirou a roupa vagarosamente e ficou embaixo do chuveiro, a água escorrendo por cada centímetro de seu corpo. Deixou que a água caísse, que levasse consigo todos os seus recentes problemas. Tivera um sonho esquisito, só não conseguia se lembrar...
Enxugou-se, vestiu uma roupa qualquer e desceu. A cozinha, a sala, o corredor e o banheiro estavam vazios, quietos e silenciosos. Seth olhou o relógio, eram dez horas da manhã.
– Vô?
Não havia sinal de Josef, mas a mesa estava posta e, bem no centro, havia um bilhete. Seth apalpou-o entre os dedos e leu-o com a caligrafia do avô.

"Seth,
Não se preocupe, fui ao mercado comprar comida, pois o armário está vazio. Sinceramente, você come demais! A Sra. Diaz ficou de fazer um bolo para mim. Se ela entregar a você, pode deixar na mesa. Tem pão quente no forno.
Vovô Lycanthunder"

Seth dobrou o bilhete e guardou-o numa gaveta. Sentou-se, serviu-se de leite, ovos, pão, queijo, presunto, mortadela, um suco de laranja e uma maçã. Sentindo-se estufado, percebeu que acabara com toda a comida da mesa.
A campainha tocou. Seth levantou-se com a barriga doendo de tanta comida e atendeu a porta.
– Oi, Seth, querido!
– Oi, Sra. Diaz.
A vizinha roliça estava parada na porta, com um sorriso que cortava seu rosto redondo de um lado ao outro.
– Seu avô está? – perguntou ela.
– Hum, não – respondeu o garoto – Ele foi ao mercado.
– Ah, que pena – disse a Sra. Diaz, um pouco desapontada – Bem, não faz mal, contanto que você entregue a ele esse bolo de laranja que acabei de tirar do forno.
– Tudo bem. Vou deixar na mesa para ele.
– Obrigada querido – disse ela, apertando suas bochechas – Até mais.
– Até.
Seth levou o bolo morno até a mesa enquanto refletia como o avô não engordava depois de tanto bolo. Então percebeu que ele é quem comia quase tudo. Teria sorte se um dia não acabasse como a Sra. Diaz.
Enquanto pousava a bandeja em seu lugar, escutou um barulho na caixa de correio. Correu até a porta, atravessou-a, e alcançou a caixa, que possuía o nome falso de Heyfield.
Seth examinou ou envelopes nos dedos.
– Hum... Conta, conta, conta, a revista semanal do vovô, carta do colégio, conta, uma outra carta para mim...
O garoto estranhou a existência de duas cartas para ele. Levou todas para dentro, mas ficou com duas enquanto sentava na cadeira, arrancava um pedaço do bolo de laranja e comia-o.
A primeira era do Colégio Lycantrix, a outra do Prof. Jackson. Resolveu ler a do colégio primeiro.

"Prezado Sr. Heyfield,
Informamos que o senhor foi expulso do Colégio de Ensino Fundamental Lycantrix, por motivos de uma doença grave que o atinge e que vem de sua descendência. Pedimos ao senhor que não tente matricular-se novamente em nossa escola, nem em nossas filiais. Também informamos que seu 'amigo', Prof. James Jackson foi expulso de nossa Instituição por tê-lo ajudado em sua fuga.
Atenciosamente,
Willian Baxter
Diretor da Escola Lycantrix"

Seth ficou boquiaberto. O Prof. Jackson havia sido expulso por sua causa! Somente porque o ajudara a fugir! Rapidamente rasgou o outro envelope, que era apenas uma mensagem de seu antigo professor:

"Seth, enviei essa mensagem o mais rápido que pude, mas não sei se chegou a tempo, não antes da carta oficial da escola. Sei que você vai primeiro ver a carta, por isso quero que saiba que, como você leu, fui expulso. Mas não se culpe, a culpa não foi sua. Já estava cheio do Sr. Baxter, só faltava isso para eu cair fora. Mas sua situação me abriu os olhos para a realidade, para os mestiços. Não se engane, em breve farei uma instituição para acolher os mestiços e dar uma educação a eles, além de abrigá-los. E, quem sabe, seja em sua homenagem o nome dela.
Até breve.
J. J."

– Bom, Seth, cheguei. Nossa, o mercado estava lotado! Comprei umas uvas para você, sei como Elfos gostam de uvas. A Sra. Diaz passou aqui? Seth? O que aconteceu, meu neto?
Seth ficara imóvel na cadeira. O avô estranhou essa atitude e perguntou se ele estava bem. Em vez de responder, entregou nas mãos de Josef as cartas que recebera, especialmente a do professor. Enquanto o avô lia, Seth manteve-se pensativo.
De repente, Josef colocou bruscamente as cartas na mesa e encarou a face do neto.
– Já está na hora de fazer alguma coisa, Seth.
– Como o quê? – perguntou o garoto.
– Ficar aqui sentado é que não. Seth, por acaso eu terminei de contar-lhe a história de Lycan, ontem?
Seth pensou um pouco.
– Não. Eu fui dormir antes do senhor terminar.
– Então venha comigo.
Os dois subiram as escadas que levavam para o sótão. Havia uma porta no teto que dava para o quarto. Josef não teve problemas para levantá-la e, assim, segundos depois os dois estavam lá.
O sótão da casa estava muito empoeirado e cheio de teias de aranha. Seth estava se perguntando o porquê de eles estarem ali, mas mesmo assim não falou nada. Fazia tempo que ele não entrava no sótão, por isso encarou tudo como uma novidade.
Driblando caixas, malas, caixotes e depósitos, Josef chegou ao lugar mais escondido do sótão, de onde retirou uma grande caixa. Então, embaixo dela, surgiu um baú já desgastado pelo tempo e com as iniciais L.T.
– O que significa L.T., vô?
– É a abreviatura de Lycanthunder, filho – respondeu o outro.
Seth resolveu ajudar o avô a puxar o baú, pois o velho não estava conseguindo muito bem. Depois de arrastarem a caixa até o centro do sótão, Josef sentou-se e tentou abrir a tampa com uma chave velha.
– Será que a gente não podia abrir esse baú lá embaixo? – perguntou Seth.
– Não, ele é pesado demais para tirar daqui. Estou quase conseguindo... aqui! Pronto! Seth, me ajude a levantar.
A tampa era a parte mais pesada do baú. Depois de levantada, mostrou-se um livro muito empoeirado e, embaixo dele, vários pedaços de papel que mais pareciam recortes de jornal corroídos pelo tempo, coisa de séculos anteriores.
Josef pegou o livro e soprou-o, o que levantou muita poeira. Depois de tossir bastante, o avô virou as páginas grossas do livro e começou sua história.
– Seth, o que você vai saber agora muitas pessoas não acreditariam. Quando meu pai me contou, eu não acreditei. Mas espero que você compreenda e que acredite nisso.
– Certo – concordou o garoto.
– Bom, o que você sabe sobre Lycan não é de todo verdade, nem de todo mentira. Este livro foi escrito por Cassandra Futuro, uma das Ciganas do Oráculo, há cerca de mil anos. Um pouco antes de Lycan sumir – ele não morreu exatamente – ela olhou para o futuro e escreveu suas anotações aqui. Ou seja, tudo o que está aqui é verdadeiro.
“Como você sabe, Lycan teve cinco filhos. E cada um deles tinha um fragmento do poder da Luz, os cinco elementos da natureza. Como você também sabe, eles retiraram o poder do pai, então ele sucumbiu ao único poder que lhe restou: o poder das Trevas.
“Você também já deve saber que Lycan foi atrás do filhos e tentou tirar os Talismãs deles. Esses Talismãs eram na verdade cápsulas que armazenavam o poder dos elementos. Lycan matou os filhos, mas não conseguiu os Talismãs, que estão guardados até hoje nos castelos que existem nos Distritos. Acho que isso você já sabe.
“Agora o que muita gente desconhece é o fato de que Lycan não se arrependeu de seus atos nem definhou até a morte. Não, ele foi até o fim, atrás dos Talismãs. Consultou todos que poderiam dizer onde estavam. Até que descobriu que os Talismãs eram guardados por titãs e sábios. Mas ele descobriu mais. Uma coisa que podia estragar seus planos... ou até ajudar a realizá-los.
“Acontece que, antes de morrer, Derek Lycanthunder fez um juramento perante aos Deuses e aos Espíritos Anciões. Ele jurou que voltaria depois de mil anos para destruir o legado de Lycan. Esse ser, a reencarnação de Lycanthunder, o escolhido para guiar os herdeiros dos filhos de Lycan, foi chamado de Kathegetes Omega.
– Kathegetes Omega? Porque esse nome?
– Significa “Líder do Fim” numa língua antiga e morta.
– E o que seria esse fim? – perguntou Seth.
– A destruição final. O apocalipse. O fim dos tempos. Chame como quiser. – respondeu Josef.
– Mas... se no final vai tudo ser destruído, pra que esse tal líder guiaria os outros herdeiros até o “fim”?
– Porque você pode decidir o destino de Lycantrix. Se ela vai ser destruída ou não...
– Eu? Por que eu? – perguntou Seth, exasperado, já sabendo o que viria depois.
– Porque você é o Kathegetes Omega!
Seth caiu para trás. Por que ele?!
– Mas... mas... não pode ser eu! Eu... tenho só catorze anos! Como eu posso guiar mais quatro pessoas até o “fim” se eu não posso nem sair nas ruas sem ter o perigo de ser apedrejado ou preso!
– Seth, você está se prendendo muito a essa história de “fim”. Você não vai sair andando por aí com mais quatro amigos pra chegar um dia e acabar tudo! Não! Você tem uma missão!
– Missão? Que missão?
– Sua missão é conseguir os cinco Talismãs antes que Lycan consiga primeiro.
– Lycan... está vivo mesmo? Como o senhor tem tanta certeza?
– Para responder algumas perguntas suas de uma vez, vou ler um trecho do livro para você.

O maligno Lycan então disse: “Já que o poder não consegui conquistar, encobrir-me-ei em um sono profundo até que mil anos se passem e que a batalha comece. O Kathegetes Omega, ó escolhido dos Deuses, guiador dos quatro herdeiros do Bem terei o prazer de derrotar.” Então esperamos o dia em que o herói apareça e derrote o Mal que aflige a nossa Terra.

– Isso quer dizer que... eu só sou o escolhido porque faz exatamente mil anos depois que Lycanthunder jurou que voltaria, não é?
– Finalmente você compreendeu que isso não foi decidido há muitos anos. Você só é o Kathegetes Omega porque é o herdeiro de Lycanthunder que nasceu exatamente no mesmo dia da morte dele. – disse Josef.
– Certo. Sabemos que sou o escolhido para sair recolhendo os Talismãs. – disse Seth. – Tem só um pequeno problema que o senhor ainda não respondeu: onde Lycan está?
– Isso ninguém sabe. – respondeu o avô misteriosamente. – Dizem que Lycan construiu um castelo para si, há mil anos. O problema é que ninguém sabe onde fica.
– Ah, que interessante. – resmungou o garoto, amargurado – Então, eh... por onde eu começo mesmo?
Josef pensou um pouco, em silêncio.
– Bem – disse ele, lentamente. –, talvez pelo Talismã do Raio. É o que está mais perto da gente agora.
– E como eu passo pelo tal titã? Melhor: como eu pelo menos entro no castelo? Tenho plena certeza de que eles não vão me deixar entrar lá. E como eu acho os outros herdeiros? Como eu...
– Calma, Seth – falou Josef, rindo. – Que tal parar de fazer tantas perguntas? O livro vai ajudá-lo bastante. Preste atenção nesta passagem: “Nota ao Kathegetes Omega: você irá encontrar todos os herdeiros em um só lugar.”
– Um só lugar? Mas que lugar é esse? Quando vou encontrá-los?
– Isso eu não sei – respondeu o avô. – Não fala aqui.
Então o velho começou a imaginar onde o neto poderia encontrar quatro herdeiros de Lycan.
– E... o que é isso aí mesmo? – perguntou o garoto, tentando fazer o avô acordar de seus devaneios.
– O quê? Desculpe, Seth, não ouvi.
– Ah, esses papéis que estavam embaixo do livro.
O velho olhou para dentro do baú e retirou o amontoado de papéis velhos.
– Ah, são recortes de jornal. – explicou ele – Oram, vejam só: do tempo de Lycan! Escritos à mão! Nunca tinha reparado neles antes...
Seth deixou o avô examinado os recortes e foi dar um passeio pelo sótão empoeirado. Foi olhando lentamente as malas, maletas, caixas, engradados e caixotes. Alguns tinham até conteúdos bem interessantes. Havia um caixote cheio de garrafas com líquidos viscosos e brilhantes. O garoto queria pegar um para ver o que era, só que estava muito alto e ele não conseguiu alcançar nem com as pontas dos pés. Mas estava tão perto...
– Aaaaarreeeeeee!!!
Catapum!
Várias coisas aconteceram num intervalo de poucos segundos. Seth, que estava na ponta dos dedos, escorregou e caiu sobre a pilha de malas. Todas elas caíram sobre o garoto; o caixote caiu com estrépido e todas as garrafas se espatifaram no chão. O líquido viscoso errou a cabeça de Seth por pouco e o ácido corroeu o piso e abriu um buraco de onde dava para ver o segundo andar da casa.
– Você está bem, Seth? – perguntou Josef desesperado, que largara os jornais no chão e correu para socorrer o neto.
– Sim, mas essas malas são muito pesadas. – respondeu o garoto, dolorido. – O que é que tem nelas?
– Hum, várias coisas, livros, coisa velha da antiga mudança... – respondeu o avô, que examinava o buraco deixado pelo ácido.
Mas uma coisa atraiu a atenção de Seth naquele momento, e não era a sua sorte de ter escapado por pouco da mira do líquido. O papel de parede que ficava atrás da pilha de malas estava descascado, mas não mostrava uma sólida parede de tijolos, como as outras. Não, era um buraco, de onde saía uma fraca luz amarelada.
– Mas o que é isso?
– Quê? – perguntou Josef, distraído.
Então se deparou com o neto rasgando o papel de parede, mostrando um pequeno túnel do tamanho de um armário de vassouras.
– Seth o que você está...?
Seth não precisava ter dado um grito de extrema surpresa para atrair a atenção do avô para o buraco. Foi então que seu coração quase parou quando viu o que estava em sua frente.
Entre teias de aranha, em cima de um pedestal, jazia um medalhão do tamanho de um ovo de cisne. Arredondado na frente e plano atrás, como se tivessem passado uma navalha extremamente precisa, o objeto que estava nas mãos de Seth parecia ser feito com o cristal mais duro do universo. E, de dentro dele, uma espécie de fumaça amarela enchia todo o espaço onde, na frente arredondada da cápsula, estava desenhado um raio negro, da cor do contorno do objeto.
– Não pode ser... – balbuciou Josef – Não aqui...
– Acho que não é só isso, vô – disse Seth, apontando para sua frente.
E, como se não bastasse, atrás do Talismã do Raio haviam duas espadas enterradas no cabo até a bainha. O garoto e o avô se precipitaram para frente das espadas e as arrancaram das teias de aranha da parede. Enquanto Josef ficou admirando a bainha tricolor de vinte centímetros de uma das espadas – branco, amarelo e preto – e passando seus dedos longos nos raios gravados nela, Seth arrancou o cabo de uma só vez e observou admirado.
As lâminas de um metro e dez centímetros de comprimento pareciam ser feitas da prata mais reluzente que existia. O garoto pensou em girar a espada para comprovar sua extrema leveza, mas seria um perigo num túnel apertado daqueles.
– Isso é impossível – disse Josef. – Como isso pode ter vindo parar aqui? Não, tem alguma coisa errada nessa história.
– Relaxa, vô – comentou Seth enquanto vislumbrava a espada.
O garoto sempre fora fissurado por espadas desde pequeno, e sabia o nome de cada uma delas. Aquelas espadas eram uma mistura de sabres com katanás, uma mais bonita que a outra. Foi então que percebeu a presença de pequenos pinos de encaixe na lâmina e na bainha.
– Vô, me arranja essa outra espada, por favor – pediu Seth.
A segunda tinha pequenos buracos em vez de pinos. Seth encostou as duas espadas, com um pequeno giro, uma se encaixou perfeitamente na outra, formando uma larga espada de duas mãos.
Seth deu um sorriso de alegria, que não foi compartilhado por seu avô, que continuava no mesmo lugar, murmurando.
– Ah, Josef, se acalma! Foi uma sorte danada, pelo menos não preciso mais ir atrás do Talismã do Raio, ele veio fácil, fácil, para mim...
– Mas... isso não tem lógica! Como...
– Será que não é um túnel? – perguntou o garoto, passando os dedos na parede. – Um túnel que dá no castelo?
– Não dá, estamos no sótão, se fosse no porão, pelo menos... – murmurou Josef.
Seth deu a volta no pedestal e rumou para o sótão.
– Bom, vou no quintal, testar a espada. E vou levar o Talismã também – disse pegando o objeto – Irei ver se dá certo em mim.
E saiu. Depois de alguns minutos, Josef acordou de seus pensamentos com um tranco e correu até uma janelinha que havia no sótão que dava para o quintal.
– Seth, não! – gritou ele lá de cima.
O garoto estava com a espada larga numa mão e o Talismã na outra. Ao ouvir o grito do avô lá de cima, gritou em resposta:
– O quê?
– Seth, pelo amor dos Deuses, não ponha o Talis...
Mas já era tarde demais. Assim que a fria corrente passou pela sua cabeça, coisas indescritíveis aconteceram com seu corpo em segundos.
Uma onda elétrica correu por seus ossos, dando uma sensação impressionante, ao mesmo tempo em que seus braços engrossaram um pouco e seu corpo levitou; ele sentiu círculos de energia ao seu redor e uma coragem súbita se apoderou dele, uma coragem que o fazia sentir que podia encarar qualquer desafio. Então, do mesmo jeito que começou, acabou. Ele caiu no chão estatelado e uma vontade suprema se apoderou dele.
Seth separou as duas espadas e, manuseando-as como sempre tivesse feito isso, ele saiu rapidamente em direção ao pomar. Com uma agilidade e uma destreza impressionantes, o garoto podou as árvores que Josef ia limpar e, com dois golpes rápidos, dividiu um tijolo em quatro partes iguais.
Espantado com seu feito, olhou para cima e encarou divertido o rosto petrificado do avô na janelinha lá em cima.
Em questão de minutos, Josef já estava no quintal e, contemplando o neto, disse:
– Seth, isso é realmente impressionante!
– Veio com o Talismã – disse o garoto animado – As habilidades.
Mais sério, o avô chegou mais perto.
– Mas você sabe o que isso significa, não é?
– O quê? – perguntou Seth.
– Você já pode ir atrás dos Talismãs, Seth – respondeu o avô – E quanto antes melhor, sabe. Provavelmente Lycan já acordou.
– Acordou que você diz...
– Sim, ele conseguiu se manter vivo à base do sono profundo. Mas já se passaram mil anos.
– Certo.
Ele queria por tudo adiar a partida, mas percebeu que ele não podia fazer nada para escapar do que lhe esperava.