Autor

Minha foto
Fortaleza, Ceará, Brazil

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Capítulo Sete - A Fuga

AS IMAGENS PASSAVAM RAPIDAMENTE PELOS SEUS OLHOS. Ele estava voando em uma velocidade muito alta e desviava de árvores e montanhas com extrema leveza. Era noite de lua cheia e os uivos dos lobos passavam por seus ouvidos enquanto Lycan sobrevoava a floresta do Distrito da Terra.
De repente, um cenário diferente quebrou a monotonia das árvores. Luzes amarelas vinham de baixo e, Lycan pôde ver, revelavam o início da cidade de Earth City, a capital do Distrito.
Reduziu a velocidade e foi perdendo altitude, se aproximando de todas aquelas luzes. Com um feitiço, transfigurou-se em uma nuvem negra e continuou o seu percurso, agora entre as casas e comércios, sem ser percebido pelas poucas pessoas que passeiam à noite.
Foi então que ele avistou seu alvo: um senhor idoso, caminhando pela rua e carregando uma sacola marrom, na entrada de um beco escuro. “O lugar perfeito!”, pensou Lycan. E, com toda a força que conseguiu reunir, a nuvem negra desceu de uma vez e acertou o idoso, atirando-o na parede do fim do beco.
– Mas que m... – praguejou o velho, com a mão nas costas enquanto se recompunha.
Ele olhou para frente, mas como o beco era escuro, só viu a sombra da nuvem negra à sua frente.
– Quem está aí? – perguntou o idoso – Diga, vamos!
O velho começou então a tatear dentro da sacola à procura de alguma coisa, mas parou instantaneamente quando a nuvem negra se transfigurou em uma sombra humanóide.
– Pelos Deuses! O que é isso?
A sombra avançou e brandiu uma espécie de bastão contra o idoso. Ele foi se comprimindo na parede e, quando o bastão estava quase no seu rosto, uma luz acendeu na ponta dele.
– Boa noite, Frederic Grints.
Frederic observou horrorizado o rosto de Lycan, que continuava apontando o cajado para sua direção.
– Lycan? Samuel Lycan?!
– Surpreso? – riu Lycan – Agora faça a pergunta certa, Frederic. Por que eu vim de tão longe até aqui só para lhe ver!
– Eu... Eu não sei para que... – gaguejou o velho.
– FAÇA A PERGUNTA!!! – gritou Lycan.
Frederic engoliu em seco.
– P... Por que veio aqui?
– Porque eu quero informações, Fred – respondeu o outro.
– In... Informações?
– Sim. Sobre os Talismãs.
O idoso então se ajoelhou e começou a falar tão rápido que mais parecia um chiado.
– Samuel, pelo amor dos Deuses, eu não sei de nada! Nada!
– Não foi o que eu descobri, Fred.
– O que quer que tenham lhe dito, não é verdade! Eu não sei de nada! Eu juro! Por favor, Samuel!
– CALA A BOCA!!! – Lycan gritou novamente – Não adianta me enganar, Frederic, eu sei que você fez os Talismãs para os meus filhos. Você é o artesão mais experiente do mundo, só você poderia ter criado esses amuletos!
– Não, eu...
Num gesto do cajado, Frederic foi erguido no ar e ficou comprimido na parede, como se estivesse amarrado nela.
– Se você colaborar, eu posso deixar você sair vivo. Senão...
– Samuel, por favor, não...
Lycan suspirou profundamente.
– Tudo bem, então. Você não me deixa escolha mesmo.
Uma magia começou a ser conjurada pela ponta do cajado. Mas, antes que tivesse terminado, Frederic começou a berrar:
– NÃO, TUDO BEM, EU CONTO TUDO O QUE VOCÊ QUISER! EU CONTO!
A magia se desfez e o velho caiu no chão.
– Se você diz assim... – disse Lycan – Vamos ao meu castelo, então. Além de suas informações, eu quero que faça uma coisa pra mim...
Com um giro do cajado, os dois se transfiguraram em uma nuvem negra e juntos saíram voando da cidade, rumo à floresta do Distrito da Terra.


– Bom dia, Seth. Acordei você?
Lila entrou na saleta-quarto de Seth segurando uma bandeja azul com comida em cima. O garoto levantou-se cansado, mas logo ficou disposto com o cheiro bom que vinha do café da manhã.
– Não, tudo bem, já devia ter acordado mesmo...
Seth encostou-se no pé da parede e pôs no colo a bandeja. Lila sentou-se perto do amigo e, depois de comer um pouco, Seth perguntou:
– E o Alex? Você conseguiu falar com ele?
– Sim – disse ela, mais animada – Está bem abatido, o coitado. Mas se recusa a contar o que aconteceu ontem.
– Pareciam ser chicotadas, Lila. Ele não confirmou?
– Não, praticamente não disse nada. Mas você não acha que ele contou alguma coisa pra eles, acha?
– Não, não acho – disse Seth depois de engolir um bocado de comida – Conheço pouco ele, mas sei que o Alex é forte. Aproveitando a deixa, vou lá falar com ele. Talvez ele fale alguma coisa para mim.
– Seth, eu não faria isso se fosse você – disse Lila, séria.
– Por quê?
– Porque ele foi pego tentando roubar o Talismã e as espadas. E era você quem estava com elas antes. Vocês dois poderiam muito bem estar mancomunados. Não, Seth, acho melhor esperar a poeira baixar e, depois, você fala com ele. Certo?
– Tá legal, tanto faz – respondeu o garoto, desanimado, empurrando a bandeja para o lado.
– A propósito – disse Lila se levantando – Onde foi mesmo que você guardou o Talismã?
– Ali.
Seth apontou para o que parecia ser uma sólida parede de tijolos. A garota ajudou o amigo a se levantar e perguntou novamente:
– Mas como?
– Existe uma fenda. É só tirar o quinto tijolo de baixo pra cima e revelará um buraco suficiente para guardá-los.
– Muito bom – disse ela – Mas vamos, a Kyra está esperando você, digo, a gente lá fora...
Os dois saíram juntos da saleta-quarto e, mal chegando ao galpão, foram praticamente atropelados por Tony, que vinha correndo da direção oposta.
– Então é verdade? – perguntou ele, ofegante – Vocês conseguiram mesmo pegar o Talismã?
Seth confirmou com a cabeça.
– E quando vamos fugir? Todos os terranos estão ansiosos!
Lila abriu a boca para dizer algo, mas preferiu fechar de volta.
– Nós ainda não sabemos – respondeu Seth – Quando decidirmos avisamos você.
– Tudo bem, então – concluiu Tony, voltando à sua postura metida de sempre – A gente se vê por aí, Seth.
Kyra, que estava observando não muito longe, chegou perto dos dois amigos.
– O que ele queria? – perguntou enquanto olhava Tony se afastar. Então se virou e, sorrindo, disse:
– Ah, bom dia, Seth!
Seth sentiu as bochechas arderem com o sorriso dela.
– Bom dia, Kyra...
– Queria saber quando vamos fugir – respondeu Lila – Só estou preocupada com essa questão da fuga dos terranos.
– Mas nós não temos escolha, Lila – disse Kyra – Foi a condição que ele impôs. E o pior é que nem sequer temos um plano...
– Isso não é o pior – comentou Seth – O pior é que só temos cinco dias, ou então seremos transferidos para o Distrito do Fogo e lá se vão o plano e o Alex.
– Tem razão – murmurou Lila – Bom, Kyra, vamos para o nosso quarto pensar lá. Talvez uma idéia apareça.
As duas começaram a andar, mas mal Seth deu um passo, foi impedido por Lila.
– Me desculpe, Seth, mas não podemos ser vistos muito tempo juntos...
– Sinto muito – disse Kyra, com a mão no ombro dele.
O garoto ficou parado lá enquanto elas caminhavam até um corredor e entravam nele. Sozinho, começou a caminhar pelo galpão, que agora estava quase vazio, já que não havia nada para se fazer ali.
Sem querer, tropeçou num pé no meio da passagem. Desculpando-se, se virou e, para sua surpresa, se deparou com Brad, o garoto mestiço.
– Ah, oi, Seth! Você por aqui?
– Oi, Brad. Prazer em ver você também.
Seth sentou-se ao lado do menino, que ficara feliz em rever o conhecido.
– Pensei que você tivesse ido trabalhar na propriedade do Sr. Grints...
– É uma longa história – respondeu o outro – Mas e você? Como ficou depois que eu saí?
– Bem, fiquei por lá mais ou menos uma semana – explicou Brad – Depois resolveram me colocar aqui. Eu acho que assim foi melhor, pelo menos nesse galpão tem espaço para andar...
– É, tem sim.
Os dois continuaram conversando até a hora do almoço, depois disso Seth se dirigiu à sua saleta-quarto e, sozinho, pôs-se a colocar os pensamentos em ordem, enquanto tentava se lembrar de seu sonho com uma misteriosa nuvem negra.


Dois dias haviam se passado, e a vida na Prisão Móvel ia ficando cada vês mais monótona para Seth. Ainda não tinha visto Alex depois do incidente, e as garotas ficavam pouquíssimo tempo com ele, para não despertar suspeitas. Nem com Brad ele estava conseguindo conversar, já que o menino agora se enturmara com os raiosenses e vivia mais feliz. Pelo menos o garoto estava se divertindo.
Tudo mudou no terceiro dia, quando, fazendo suas atividades rotineiras, Seth foi surpreendido com um abraço repentino de Alex.
– Seth, irmão, há quanto tempo!
– Mas que m... – disse Seth – De onde você saiu, Alex?
– Eles me liberaram! Finalmente! – exclamou o ruivo, radiante – Você guardou bem o Talismã, não é?
– É claro que sim – respondeu o outro, também sorrindo – Na fenda da parede, como nós combinamos...
– É isso, cara!
Abraçaram-se novamente, agora com direito a tapinhas nas costas.
– Ele não conseguiu se conter – disse Lila, vindo da mesma direção de Alex – O coitado tava tão sozinho naquela sela. Pelo menos a gente podia ir lá de vez em quando...
– Estava com saudade da ação – continuou Alex – E o plano da fuga, como é que vai?
Seth encarou Lila, implorando para ela contar a notícia. Quando a garota ia falar, Alex interrompeu:
– A gente... não vão mais... fugir? É isso?
– Olha só, Alex – disse Lila – Nós subestimamos a proteção desse local. E você é a prova viva das conseqüências. Não podemos deixar isso acontecer de novo.
– Então vão me deixar ir para aquele maldito Distrito do Fogo e me condenarem a não sei quantos anos numa prisão de verdade? Vão desistir de mim?
– Não vamos desistir de você – disse Seth, firme.
Lila olhou para ele com indagação.
– Mas Seth, pensei que nós...
– Que se dane – respondeu o garoto – Já está na hora de pôr um fim nisso. Vamos fugir hoje à noite. Avisem para a Kyra e para o Tony.
– É assim que se fala, irmão! – comentou Alex, com um tapinha nas costas do amigo.
Lila suspirou, derrotada, e caminhou na direção do corredor da sua saleta-quarto. O ruivo se virou para Seth e disse:
– Vamos para o quarto? Estou morrendo de saudades daquele colchonete bolorento.
As horas seguintes se estenderam dentro da saleta-quarto dos rapazes. Os quatro passaram o resto da tarde discutindo minuciosamente todos os detalhes do plano. Como a sela em que ficou preso era em um local diferente, Alex forneceu informações importantes, como corredores em que podiam se esconder e um depósito com objetos apreendidos, onde podiam pegar armas e se defender.
– Parece perfeito – disse Lila, por fim – Só não sabemos onde a fuga dos terranos se encaixa nisso. Não tem espaço no plano para essa parte.
– Só se a gente não libertá-los – comentou Alex.
– Isso seria traição – falou Kyra – Foi uma condição dada pelo Tony. Ele pode desistir de vir conosco.
– Tem razão. Na hora damos um jeito. Alguém se oferece para dizer isso ao Tony? – perguntou Seth.
Como ninguém respondeu, o garoto levantou-se e foi ele mesmo falar com o último integrante.
Seth sabia que o quarto de Tony ficava no último corredor. Dirigiu-se até lá e foi perguntando nos quartos onde era o dele. Mais ou menos na metade do corredor, ele entrou na saleta onde disseram ser o local onde ele dormia.
Mas ficou surpreso com um casal de meia-idade lá, e não um adolescente de catorze anos.
– Ah, o Tony dorme aqui?
– Dorme sim – disse o homem – Nós somos os pais dele.
– Ah, me desculpem, eu volto depois – disse Seth – Quando ele voltar.
– Você é Seth, o garoto mestiço? – perguntou a mulher.
O garoto franziu a testa ao ver que ela sabia seu nome.
– Sou sim. Por quê?
– Tony nos contou tudo sobre você – disse o homem – Inclusive do seu plano de fuga.
– Previsível – murmurou Seth.
A mãe de Tony se levantou e caminhou até ele.
– Não queremos que faça isso – falou ela.
– Mas por quê? Vocês não querem fugir? Se libertar?
– Nós estamos aqui porque fizemos por merecer – disse o pai – Os outros terranos também. Nos libertar só vai aumentar a criminalidade.
– Fuja só com o Tony. Nós, os outros, lhe daremos cobertura.
– E o que pretendem fazer? – perguntou Seth.
– Um pouco de bagunça – respondeu a mãe – É a nossa especialidade.
– Bagunça? – continuou o garoto, desconfiado.
– Confie na gente – interrompeu o pai – Sabemos que a segurança foi reforçada depois que vocês roubaram o Sr. Berkelian. Não vão conseguir sair daqui sem uma distração.
– Têm certeza de que querem mesmo fazer isso? Com certeza essa confusão vai piorar a sentença de vocês...
– Só queremos que o Tony tenha uma vida melhor. Porque aqui ele não vai conseguir – disse a mãe, por fim.
Seth suspirou profundamente e continuou:
– Tudo bem, então. São vocês que querem assim, a decisão é sua. Vou voltar para o meu quarto.
A mãe de Tony avançou e abraçou Seth como faria a um filho. Depois de se sentir extremamente desconfortável com a situação, ela o soltou e desejou-lhe boa sorte.
– Digam pro Tony que o sinal é a última badalada da meia-noite. Assim que soar a décima segunda, vamos começar a fuga. Certo?
Deu meia-volta e saiu. Embora fosse à tarde ainda cedo, não havia mais ninguém no galpão, exceto os próprios Fiscais, que olhavam estranhamente para ele, como se soubessem que estava tramando alguma coisa. Apressou o passo e entrou no corredor da sua saleta-quarto.
Os outros três pareciam estar rindo de uma piada recém-contada, mas conteram o riso quando Seth entrou no aposento. Kyra se adiantou:
– E aí, como é que foi lá com o Tony?
– Ele não estava – respondeu ele – Mas os pais estavam. E me contaram uma coisa que me deixou preocupado.
– O que foi? – perguntou Lila.
– Eles não querem fugir. Nenhum dos terranos quer. Eles parecem pelo menos ter um pingo de decência de não querer fugir para não pôr em risco a segurança do Distrito. Entretanto...
– O quê? – pediu Alex, curioso.
– Entretanto eles disseram que vão ajudar na nossa fuga. É isso que me preocupa. Os dois insistiram em distrair os Fiscais fazendo confusão.
– Eles são loucos? Isso pode estragar o plano! – exclamou Kyra.
– Ou talvez nos ajude – interrompeu Lila – Os pais do Tony disseram que tipo de “confusão” eles pretendem fazer?
– Não. Espero que não seja nada que chame muita atenção... Senão, adeus liberdade. E adeus à saga do Kathegetes...
– Tem razão, Seth – afirmou Alex – Hoje é a nossa última chance. Tem que dar certo.
Lila se levantou e puxou Kyra pela manga do moletom.
– Meninos, a gente se vê mais tarde, então. Até mais.
– Boa sorte para a gente – desejou Kyra, sorrindo.
As duas cruzaram o arco da porta e saíram. Alex virou-se para Seth com visível preocupação.
– É isso aí – disse ele – Mais tarde é onde o bicho vai pegar...


A cada hora que se passava, a cada badalada do relógio gigante do galpão que ressoava, era como se bolas de chumbo descessem pelos seus estômagos, frias e metálicas.
A tarde foi escurecendo, entrou o crepúsculo. O maldito crepúsculo, que Seth odiava, logo passou, e uma noite escura veio em seu lugar. Às sete horas da noite, a janta foi servida nos mesmos pratos sujos, mas nem o garoto conseguia comer. Era como se as bolas de chumbo o alimentassem.
Depois do badalar das onze horas, o nervosismo estava ao extremo. Cada segundo que passava pareciam horas, e os garotos não cabiam em si de expectativa e curiosidade. De repente, duas sombras entraram repentinamente no quarto deles, revelando ser Kyra e Lila.
– Vocês são loucas? – protestou Alex, sussurrando.
– Quase mataram a gente de susto – explicou Seth.
– Nós também estamos nervosas, se acalmem – disse Lila.
– Faltam quinze minutos – alertou Kyra – Fiquem a postos.
Nos minutos seguintes, os quatro ficaram sentados um do lado do outro, transmitindo energia corporal um ao outro. Depois de contarem mentalmente dez minutos, Seth se levantou e tirou as espadas e o Talismã da fenda da parede.
Retirou as duas armas dos respectivos cabos e disse:
– Já que agora não temos armas suficientes, fiquem com os cabos. Um cabo para a Kyra, o outro para você, Lila. Alex, você fica com a outra espada.
– Não, fica com as duas. Eu me viro até lá.
– Então alguma de vocês quer a outra espada? – insistiu ele.
– Não, Seth, esse lance das espadas é seu – respondeu Kyra – Mas obrigada mesmo assim.
– Certo, então. Vocês que sabem.
Agora, cada momento era torturante. Seth estava em pé, empunhando as espadas e com o Talismã no bolso, pronto para usar na hora certa. De repente, tocou a primeira badalada.
Tocaram a primeira, a segunda, a terceira... “Ah, vamos lá, rápido!”, pensou Seth. Tocaram a quarta, a quinta, a sexta... “Vamos, vamos logo, acaba com essa agonia...”, pensou Alex. Tocaram a sétima, a oitava, a nona... “Vai, vai, acaba logo de uma vez!”, pensou Lila. Tocaram a décima e a décima primeira... “Só mais uma... Só mais uma...”, pensou Kyra.
E tocou a décima segunda.
Todos já estavam de pé, iam sair sorrateiramente, chegariam ao depósito, fugiriam, a liberdade... Mas ouviram um grito. Um grito distante, um grito energético... Um grito de guerra.
Os quatro saíram correndo do quarto e, quando chegaram ao galpão, ainda conseguiram ver algo impressionante: um homem e uma mulher corriam gritando do último corredor, brandindo tochas. Então uma multidão foi atrás deles, se apertando no corredor estreito, e também portando tochas, provavelmente retiradas das saletas-quarto.
– Mas que m... – balbuciou Alex.
De repente, foram empurrados violentamente do corredor, e mais uma multidão saí dali, com tochas e outros objetos cortantes. Em questão de segundos, todo mundo da prisão móvel estava ali no galpão, ateando fogo em todos os lugares possíveis, queimando tudo o que estivesse próximo. Os poucos Fiscais de plantão àquela hora correram como baratas tontas para longe dali.
Na confusão, Tony milagrosamente os encontrou no meio daquela gente enfurecida, que quebrava móveis e tentavam arrebentar a porta principal.
– Ah, vocês estão aí! – gritou ele.
– Tony, o que é isso?! – gritou Seth, de volta.
– Distração – respondeu o outro – Não temos muito tempo. Aqueles Fiscais que fugiram foram buscar reforços. Como vamos fugir mesmo?!
Lila ia responder, mas Seth a interrompeu.
– Espera aí!
O garoto então tirou o Talismã do bolso e passou a fria corrente pelo pescoço. Então todo o barulho cessou, e a sensação de coragem, de habilidade e de poder voltou, como há tantos dias antes.
– Tony! TONY!!! – gritou o garoto, acordando Tony dos seus devaneios – Diga aos seus pais para não irem lá para fora quando derrubarem a porta!
– Por quê?
– PORQUE SENÃO ELES VÃO MORRER!!!
Tony olhou assustado para Seth e correu na direção dos pais. Pouco tempo depois ele voltou, confirmando o recado dado.
– E agora?
– Vamos para lá! – guiou Alex, apontando para um corredor no fim do galpão.
Pouco a pouco foram vencendo a multidão, até chegar ao tal corredor. Lá puderam andar mais livremente, aparentemente o local todo estava vazio. Alex foi guiando os outros quatro, até parar numa pesada porta de madeira.
– É aí – disse ele – O depósito é aí.
Com um golpe de espada, Seth quebrou as maçanetas. Com dificuldade, empurraram a porta, entraram e fecharam de volta.
– Peguem tudo o que acharem que for necessário; armas, mantimentos, roupas, dinheiro, tudo o que for útil.
O depósito era imenso, haviam milhares de tranqueiras e bugigangas velhas lá. Seth caminhou pelas pilhas de objetos e, milagrosamente, encontrou sua mochila por cima de outras mais velhas. Depois de constatar que nada havia sumido dela, nem mesmo os mil Lycandollars, colocou-as nas costas e foi esperar na porta pelos outros.
Kyra foi quem apareceu depois; ela portava um arco marrom nas mãos e, nas costas, dividiam o espaço uma aljava de flechas e uma mochila azul claro.
Lila apareceu em seguida, com um cajado mágico cinza e uma bolsa de uma alça só. Alex surgiu depois, com uma mochila bege e um machado médio nas mãos. Tony apareceu por último, portando uma mochila de couro preta e uma espécie de lança de duas pontas.
– Tudo certo? – perguntou Seth – Pegaram tudo o que precisávamos?
Com a confirmação de todos, eles puxaram a porta de volta e saíram para o corredor estreito novamente.
– Para onde vamos agora, Alex? – perguntou Seth.
Alex pareceu um pouco pensativo.
– Nesse tempo todo, os Fiscais não já deveriam ter voltado?
– Do que é que você...? – começou Tony.
De repente, um barulho de explosão ressoou todo o corredor, e o som de pessoas gritando de raiva foi substituído pelo som de uma multidão gritando de medo.
– Mas o que...?
– O que foi isso?
– Vamos lá ver o que é! – ordenou Seth, e saiu correndo na direção oposta.
– Não, Seth, vamos logo sair daqui! – gritou Lila, em vão.
– Ele está certo – disse Tony – Meus pais e os outros terranos ainda estão lá!
Os quatro foram na direção do líder, e o encontraram no final do corredor, olhando abismado para frente.
Uma gigantesca pedra flamejante, provavelmente vinda de uma catapulta, destruíra toda a parede da frente do galpão, se alojando na parede oposta. As pessoas que restaram do ataque, corriam sem saber para onde ir, algumas se esconderam nas saletas-quarto.
Então uma pata escamosa, com unhas negras protuberantes, do tamanho da pedra, invadiu o espaço e, num golpe, derrubou o que sobrara da parede. Com o buraco aberto, os cinco puderam visualizar a maior e mais aterrorizante criatura que já haviam visto: um gigantesco dragão verde, bufando chamas pelas narinas.
Mal tiveram tempo de gritar e se virar, o dragão ateou fogo em todo o galpão, queimando completamente quem estivesse lá na hora. O jato de chamas ricocheteou nas paredes e destruiu a entrada do corredor, desabando uma pilha de pedras nela.
– AAAAARRRGGG, SOCORRO, ME AJUDEM! – berrou Tony.
Aparentemente, o cabelo da testa do garoto estava pegando fogo, mas também estava queimando sua testa. Num rápido movimento, Lila tirou um pano de dentro de sua mochila e, friccionando, apagou as fagulhas do cabelo dele.
– A sua testa está horrível – disse ela – Vou amarrar o pano nela, certo? Para evitar uma infecção.
– Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui? – perguntou Alex, ofegante.
– Parece que a reação dos Fiscais foi mais brutal do que eu esperava – respondeu Seth – Mas queimar todo mundo ali, isso foi terrível.
– Meus Deuses! – gritou Tony, se sentando bruscamente – Meus pais! Meus pais estavam lá! Todos os terranos estavam lá!
O garoto ficou de pé rapidamente e começou a tentar retirar as pedras do caminho.
– Vamos, seus imbecis, precisamos salvá-los! VAMOS!
– Sentimos muito, Tony – disse Kyra, cabisbaixa – Sentimos muito mesmo...
– Não fiquem aí parados como se eles tivessem morrido, vamos!
– Tony, os seus pais...
– ELES NÃO MORRERAM! – berrou o garoto, chorando e cavando ao mesmo tempo – ELES NÃO MORRERAM!!!
– Vamos embora, Tony – ordenou Seth – Ainda precisamos sair daqui.
– Vão vocês! Deixem-me aqui sozinho!
Lila se aproximou dele fraternalmente e o pôs de pé de novo.
– Tony, precisamos de você. Vamos logo sair daqui.
O garoto se apoiou em Lila, e depois na lança de duas pontas. Os cinco então seguiram pelo outro lado do corredor, guiados por Alex.
Chegaram num saguão amplo e vazio, fortemente iluminado por tochas. Ao fundo, uma porta de madeira terminava o caminho.
– A saída deve ser por ali – disse Alex, apontando para a porta.
Nem deram um passo, o som de dez bestas se armando ecoou no saguão, seguido de uma voz grave:
– Aqui é o fim da linha, garotos – disse Gary.
Seth virou-se e constatou, preocupado, que estavam cercados. Os cinco também ficaram em círculo, com o garoto empunhando as duas espadas, Alex o seu machado, Kyra o arco e uma flecha, Lila numa meia invocação de magia, e Tony apoiado em sua lança, cambaleante.
– Vamos, se entreguem e ninguém sairá ferido – comunicou Gary novamente, sua voz ressoando no saguão.
Seth juntou as duas espadas e, num giro, as duas viraram uma só. Gary e os nove Fiscais aprumaram suas bestas, com o dedo no gatilho. O garoto podia sentir ondas de energia circularem sua espada e, confiante, disse:
– Dessa vez não, Gary. ATACAR!
Num segundo, várias coisas aconteceram. As dez flechas foram lançadas de uma vez. Mas uma energia vinda da espada de Lycanthunder criou uma espécie de campo de força entre os cinco, que circundou as flechas e as ricocheteou para todos os lados, milagrosamente acertando seis Fiscais.
Aos quatro que restaram, Seth atacou Gary, quebrando sua besta; Alex, com um golpe de machado, destruiu a besta de um Fiscal loiro; Kyra acertou a flecha, certeira na besta de um Fiscal moreno; Lila conjurou sua magia, fazendo a besta de outro Fiscal se erguer no ar e se destruir na parede.
– Quem vai se entregar agora, Gary? – perguntou Seth, sarcasticamente.
Gary lentamente pôs a mão nas costas e, quando parecia que ia tirar alguma coisa de lá, um zunido cortou o ar e o sangue do negro explodiu na cara de Seth.
– MAS QUE M... – berrou o garoto.
– Isso foi pelos meus pais, seu cretino – disse Tony, cambaleando até o corpo de Gary e removendo sua lança do pescoço dele.
– Que droga, Tony, o que você fez?! – gritou Alex, do outro lado.
Raios grossos saíram da espada de Seth e se chocaram com os outros três Fiscais, desacordando-os.
– Não precisa haver mais mortes aqui – disse ele – Vamos embora já!
Os cinco se dirigiram à porta de madeira no fim do saguão, abriram-na e saíram para a noite escura. Tony hesitou, mas já que não tinha mais pais, seguir aqueles quatro insignificantes metidos a heróis podia ser interessante, já que era sua única opção.