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Fortaleza, Ceará, Brazil

quinta-feira, 26 de março de 2009

Capítulo Um - O mestiço

Eram cinco pessoas. Três homens, duas mulheres. Eles conversavam animadoramente sobre algum assunto importante. Estavam numa sala um tanto imunda. Um lugar mal-iluminado, com um brilho fantasmagoricamente azul. Mas não pareciam se incomodar com isso. Podia-se afirmar com certeza que não eram pessoas comuns. Embora fossem muito parecidos fisicamente, cada um tinha seu jeito próprio de vestir-se e seu próprio estilo de cabelo (inclusive a cor também). Mesmo assim pareciam ser irmãos.
Conversavam sobre algo importante que tinham feito recentemente quando foram interrompidos por um rangido vindo da única porta da sala. Um homem entrou. Ele era mais velho do que os cinco jovens adultos que ocupavam antes o ambiente. Esse homem vestia uma espécie de bata vermelha no corpo e um chapéu cônico na cabeça. Não parecia ter mais que cinqüenta anos.
Ao perceberem a chegada do homem, os cinco foram ao encontro dele.
– Papai! – exclamou a mulher de cabelo azul, abraçando-o.
– Samuel, o que faz aqui? – perguntou o de cabelos castanhos, sorrindo.
– Por que a pergunta? Não sou bem-vindo, Ray? – perguntou Samuel.
– Não, pai, não quis dizer isso – defendeu-se Ray – Só não esperava encontrar o senhor aqui.
– É pai – comentou a mulher de cabelos acinzentados – Como nos achou?
– Tenho meus meios, Ashley – respondeu ele.
– Mas esse é nosso esconderijo secreto! – insistiu o ruivo.
– Acho que foi instinto paternal, sabem – disse Samuel, rindo.
– Eu acho que não – disse alguém.
Um homem saiu das sombras. Seus cabelos eram loiros e tinha uma expressão horrível no rosto.
– Como assim? – perguntou a mulher de cabelo azul.
– Simples Lika – respondeu o irmão – Lycan está de novo usando magia negra.
– Isso é jeito de falar com o seu pai, garoto? – perguntou Lycan irritado.
– Como assim, Derek? Magia negra?
– Isso mesmo, Mathew – disse Derek se dirigindo ao ruivo – Vai dizer que você não sabia que o papai mexia com isso desde que nós nascemos?
– Impossível! Pai, como pode isso? – indagou Ray.
– Não acredite no que seu irmão diz! – gritou Lycan – Nunca usei as Artes das Trevas e nunca as usarei!
– Não vou deixar que os engane, Lycan – disse Derek – Você sabe muito bem que perdeu os poderes dos elementos assim que viemos ao mundo! A você somente restou o lado negro do poder!
Lycan estava branco de cólera.
– Você já foi longe demais, Derek Lycanthunder! Cale a sua boca e respeite seu pai!
– Você não é meu pai! – berrou Derek – Não pode ser!
Todos se calaram. Lycan e o filho ficaram se encarando até que o filho voltou a falar.
– Está suficiente claro que você só quer os nossos Talismãs. Você só quer obtê-los.
Ray se adiantou.
– Que história é essa? Isso é verdade, pai? O senhor quer os Talismãs?
– Sinto dizer que sinto falta dos cinco elementos, filho.
Lika e Ashley soltaram gritinhos de pavor.
– E, sabendo que vocês não me dariam, achei que talvez tivesse que usar a força – disse ele por fim.
Todos recuaram alguns passos. Quatro deles tinham expressões incrédulas nos rostos, e Derek obtivera a expressão “eu não avisei?”.
– Sinto muito, meus queridos. Saibam que cheguei a amar todos vocês – afirmou ele, sorrindo – Agora, onde estão os Talismãs?
– Nunca os terá! – exclamou Lika corajosamente.
Lycan encarou a fala da filha como a resposta errada.
– Vou repetir a pergunta – falou ele cada vez mais psicótico – Onde estão os Talismãs?!
– Terá que passar por cima dos nossos cadáveres, pai! – gritou Mathew.
– Que seja então – disse Lycan, com um olhar sinistro.
Lycan soltou um grito terrível e abriu os braços. A sala começou a tremer e a balançar. E então...
Bam.
Tudo explodiu, com fogo em todos os lados. O esconderijo estava desabando aos pedaços gigantescos de concreto. Lycan teve a sorte de abandonar o local antes que caísse completamente. Depois de sair daquela revoada de poeira e de fumaça, o feiticeiro olhou para os escombros onde os filhos estavam soterrados como se observasse um canteiro de flores e abandonou o local.
Derek, o único dos irmãos que havia sobrevivido ao soterramento, tirou uma pedra de cima de si mesmo e a empurrou para o lado. Já não sentia mais dor, sentia que estava abandonando o mundo dos vivos. Muito ferido e com todos os ossos a partir do tórax quebrados, Derek fez um juramento.
– Eu juro – disse ele ofegante – que isso não vai ficar assim. Com a bênção dos Deuses e proteção dos Espíritos Anciões, proponho que daqui a mil anos... voltarei e destruirei Samuel Lycan com minhas próprias... mãos...
Tombou a cabeça para o lado, morto.


Seth acordou com um tranco. A cabeça latejando, o garoto podia sentir uma veia vibrar no cérebro. Olhou para os lados e constatou que estava seguro em seu quarto. Levantou-se vagarosamente e abriu as cortinas – fazia calor lá fora, os três Sóis brilhavam intensamente como nunca. O verão finalmente começara no planeta Lycantrix.
Andou arrastando os pés e foi em direção ao espelho. Ficou admirando sua triste aparência. Relativamente magro para seus catorze anos de existência, o pijama amarrotado, os cabelos curtos, rebeldes e loiros mais altos do que nunca e uma cara de sono terrível. Lavou o rosto no banheiro e tirou a sujeira que tinha se acumulado em seus olhos amarelos.
Sempre odiara seus olhos. Não pela cor de topázio, mas pelas suas pupilas não serem redondas como as outras, mas sim elípticas com discretas pontas nas extremidades. Olhando somente para seus olhos, certamente alguém pensaria que eram olhos de cobra.
Colocou seu roupão e calçou as pantufas, pronto para descer. Mas então percebeu que talvez acordasse o avô. Não, o melhor era tirar o roupão e voltar a dormir. Estava no meio do caminho quando o avô, Josef, o chamou lá de baixo.
– Seth, desça para tomar café!
– Já estou indo, vô – disse ele com a voz rouca e sonolenta.
Desceu as escadas circulares devagarzinho e encontrou o velho preparando o café da manhã.
– Você sabe que horas são, mocinho? – perguntou ele.
– Não – respondeu Seth.
– Sete horas! – exclamou o avô.
– E daí?
– Daí que sua aula começa de oito horas, ou está esquecido?
– É mesmo! – lembrou-se o garoto – Vô, preciso tomar banho, comer e ainda correr para chegar à escola, mas que droga!
– Que tal tirar o roupão primeiro, não é mais inverno! – disse ele – E se você se apressar, não vai perder o primeiro dia de aula na nova escola, vai?
Seth fez tudo o mais rápido que pôde. Quando seu relógio de pulso marcou quinze para as oito, parou o café repentinamente, deu um “tchau” para Josef, e estava a meio caminho da porta quando o velho lhe chamou.
– Seth, leve isto – disse, entregando-lhe uma touca e um par de óculos escuros.
– Para quê isso? – perguntou ele, incrédulo.
– Tome, coloque isto, está na moda – respondeu o avô – E não os tire para nada, certo?
– Mas para que...
– Vá, não discuta, coloque logo, vá e boa sorte!
Seth não discutiu, estava atrasado e precisava correr. Era sua primeira semana no Distrito do Raio e não queria chegar tarde ao colégio. Assim, parecendo um maluco, saiu correndo de casa e, um pouco desajeitado enquanto colocava os óculos e a touca, contornou o portão do Vilarejo Derghan, de onde rumou por uma trilha.
O caminho para o colégio passava por dentro da capital do Distrito, Thunder City, mas pelo subúrbio. A trilha parecia tranqüila, e Seth aproveitou para observar uma fileira de casas iguais, que mais pareciam um chalé, enquanto um vento morno passava por seu rosto.
Mas, logo à frente, uma pequena aglomeração se formava, impedindo a passagem. Lutando para vencer a multidão, o garoto reparou no motivo da confusão. Uma mulher berrava a plenos pulmões no meio da rua e, em frente a ela, quatro policiais seguravam à força um jovem, um pouco mais novo do que Seth.
– Vocês não podem fazer isso!!!
– Sinto muito, minha senhora, mas temos que o levá-lo agora – disse o policial, tentando acalmá-la enquanto um quinto oficial a agarrava por trás e impedindo-a de se atracar com o policial.
– Isso é injusto! Ele não fez nada! Nada! Meu filho não pode pagar por um crime que ele não cometeu! Deixem-no! Deixem-no!
– Ele é um mestiço, minha senhora – disse um dos policiais, que parecia ser o delegado – O crime dele foi de a senhora ter se casado com outra espécie...
– Não! Não! Meu filho não, não! Brad! Brad!!!
Os policiais colocaram o garoto, Brad, no banco de trás da carruagem. Os cinco integrantes da polícia adentraram a carruagem no banco da frente e o cocheiro ateou os cavalos. Antes de saírem, o delegado colocou a cabeça pra fora e disse:
– Não há nada aqui para se ver, vão! E senhora – disse para a mulher que se esgoelava no chão (Brad! Brad!) –, por favor, recomponha-se, a senhora está pagando vexame.
Com um grito, o cocheiro fez os cavalos andarem mais depressa. A pequena multidão se afastou mais e Seth conseguiu alcançar o fim da rua. Foi aí que, exasperado, consultou o relógio que dizia faltar cinco minutos para as oito.
Correndo como se sua vida dependesse disso, o garoto conseguiu alcançar o colégio e se dirigiu rapidamente para a sala de aula.
O colégio Lycantrix, com filiais nos outros quatro Distritos, era bem grande, com muito espaço aberto para o lazer e, principalmente, para as aulas. Sua fachada era um grande portão negro onde se lia em letras douradas: Colégio Lycantrix.
Chegou exatamente na hora em que terminou o toque, onde todos os alunos já estavam na sala e o professor terminava de fazer a chamada.
Seth deu para todos o que se chamaria de sorriso amarelo, embora seus dentes fossem muito brancos. Falou “com licença, professor, perdi a hora” e se sentou numa cadeira vazia no fundo da sala.
– Hum, o senhor deve ser Heyfield, não? Seth Heyfield? – perguntou o professor, que era baixinho e carrancudo.
– Sim, senhor. Sou eu – respondeu.
O professor o mirou de cima a baixo e falou:
– Chegando atrasado ao primeiro dia de aula, Sr. Heyfield?
– Me desculpe, já disse que perdi a hora – repetiu Seth.
– Certo. Não me apresentei ao senhor ainda, presumo. Sou o Prof. Jackson e ensino Geografia. Agora gostaria que o senhor fizesse o mesmo para a sala.
Seth levantou-se da cadeira e olhou constrangido para a sala. Tinha muito mais gente do que ele pensava lá, e o garoto sabia que não podia decepcioná-los.
- Bom, meu nome é Seth Heyfield, nasci originalmente no Distrito da Terra, tenho catorze anos, moro com meu avô num sobrado em um bairro um pouco afastado daqui e...
- Está bem, Sr. Heyfield, acho que o senhor acabou nos contando demais – interrompeu o Prof. Jackson, rindo.
Todos explodiram em risadas. Seth ficou corado de vergonha ao ver os alunos rindo da cara do novato com cara de traficante – possuindo no rosto a touca e os óculos escuros.
- Tudo bem, pode se sentar – disse o professor – Muito bem turma, esse ano os testes serão bastante rigorosos e, por isso, desde já nós vamos estudar a matéria da prova para vocês não terem problema. Hoje vamos entender e compreender a superfície das três luas que circundam Lycantrix.
Com alguns murmúrios de desaprovação, os alunos apanharam folhas, penas e tinteiros e se puseram a escrever o que o Prof. Jackson escrevia no quadro-negro.
Depois de passarem metade da aula aprendendo sobre as crateras das luas, o professor já estava passando a tarefa de casa quando se lembrou de uma coisa que considerava importante.
– A propósito turma, sabem que dia é hoje?
Os alunos deram de ombros.
– Hoje comemoramos o primeiro milênio depois da morte de Samuel Lycan!
A turma fez um muxoxo de que esperava um dia mais impressionante. Seth não. Ele, ao contrário de todos, ficara interessado no nome “Lycan”. Sabia que a palavra lhe era familiar...
– Desculpe, professor – disse Seth com a mão erguida – Pode repetir?
– Claro Sr. Heyfield, hoje comemoramos um milênio desde a partida de Lycan para o mundo dos mortos – repetiu o Prof. Jackson.
– E... quem seria esse... Lycan?
Todos se calaram, como se o garoto tivesse dito algo errado.
– Como assim, “quem é Lycan”? – perguntou o professor incrédulo – O senhor não sabe quem foi Samuel Lycan?!
– Impossível – disse um aluno – Estudamos Lycan desde o primário! Onde você esteve? Em uma das três luas?
Seth corou mais.
– É que fui educado em casa, pelo meu avô – respondeu o garoto, trêmulo – E ele nunca me disse nada sobre esse tal Lycan.
– Como pode isso? – perguntou o professor – Como ensinar uma criança sem levar em conta o grande fundador de tudo?
– É justamente por isso que quero saber quem foi esse homem – disse Seth por fim.
O Prof. Jackson suspirou fundo e continuou:
– Tudo bem. Há um pouco mais de mil anos, havia um feiticeiro, certo? – foi falando ele – Seu nome era Samuel Lycan e ele foi o maior feiticeiro da época. Foi ele que deu nome ao nosso planeta, à nossa galáxia Ômicron, ao Sistema Trissolar a que Lycantrix pertence, aos nossos dois planetas vizinhos, Lycanring e Lycansquare, ao nosso dinheiro Lycandollar, enfim, quase tudo o que possuir o prefixo “Lycan”.
“Ele nasceu com o poder do Equilíbrio, o Yin Yang, a divisão entre o bem e o mal. Entre o poder do Bem, Yin, estava o poder da natureza, ou poder da Luz, que são os cinco elementos: água, fogo, terra, ar e raio. E entre os poderes do Mal, Yang, estava o terrível poder das Trevas.
“Acontece que Lycan teve cinco filhos, e cada um deles nasceu controlando um dos elementos da natureza. Mas, ao contrário do que se esperava, seus filhos tiraram os poderes do pai, sobrando somente ao pobre Samuel o poder das trevas. E isso, é claro, o trouxe para o lado do Mal.
“Foi então que os filhos de Lycan, Derek Lycanthunder, Mathew Lycanfire, Lika Lycanwater, Ashley Lycanwind e Ray Lycanearth, criaram cinco Talismãs de poder distintos para concentrar a força dos elementos nele. Cego pelo poder que os Talismãs transmitiam a quem os possuísse, Lycan procurou os filhos e exigiu os objetos. Como não obteve respostas positivas dos herdeiros, Lycan os matou.
“Mas, ele descobriu depois, não conseguiu impedir que seus cinco filhos trancafiassem seus Talismãs nos castelos de cada um dos Distritos. Lycan ainda tentou tirar à força os objetos, mas eles são bem guardados por um titã poderoso que guarda a porta que dá para a sala onde um sábio igualmente poderoso vigia os Talismãs. Pelo menos é isso que conta a história.
“Deprimido, Lycan foi definhando de arrependimento do assassinato e consumido pelo poder das Trevas. Então, há exatamente mil anos, ele morreu. E é isso que nós, professores, ensinamos a nossos alunos os feitos de Lycan desde o primário. Inclusive gostaria de falar com seu avô, Sr. Heyfield. Quero saber que abominação da natureza é um avô que ensina um neto em casa e nunca mencionou o nome de Samuel Lycan.”
Todos começaram a rir. O Prof. Jackson continuou sério e ordenou:
– Parem de rir, imediatamente! Isso não é brincadeira, muito menos cômico! A propósito, já está tocando a sineta para o intervalo. Vejam só, perdemos metade de um tempo de aulas inteiro relembrando a coisa mais ultrapassada que já vimos. Bom dia.
Imediatamente o ruído de cadeiras arranhando o piso tomou conta da sala e os alunos puseram-se a sair. Seth foi andando em silêncio pelo pátio da escola e pensando...
“É, não foi um dia tão legal assim. Passei o maior mico da minha vida na frente de um bando de desconhecidos que nunca vi. Ah, vovô, quando eu chegar em casa...”
– Ei, novato, você de touca e óculos!
O garoto parou repentinamente quando o chamaram. Ele olhou para trás e deparou com quatro alunos grandalhões e mal-encarados chegando para junto dele. Na dúvida, apontou para o próprio peito.
– É, você mesmo! Só tem você com isso na cabeça!
Seth ficou temeroso em não saber o que eles queriam. Pelo tom de voz, parecia que queriam briga. Suas pernas tremeram com essa hipótese: era quatro contra um, e ele era bem mais magro que o menos robusto deles.
– O que vocês querem? – perguntou num fio de voz.
– Não se preocupe, cara – disse o maior, parecia ser o líder – A gente só quer conversar... Saber por que você usa touca no verão...
– Olha, acho que isso não é da conta de vocês, agradeceria se me deixassem em paz – disse Seth, firme. Foi então que percebeu que nem ele mesmo sabia por que estava usando aquilo.
– Ah, cara – disse um dos outros três – Você falou a palavra errada.
– Pega ele! – gritou o líder.
De repente as pernas de Seth recuperaram a força quase que instantaneamente e o garoto pôs a correr como nunca. Era verdade que ele sempre teve aptidão para correr e rapidamente deixou o quarteto para trás. Eles eram um tanto gorduchos, mas não perdiam o ritmo, muito menos a vontade de alcançar Seth, e isso começou a deixá-lo preocupado.
O garoto correu por pátios e mais pátios, corredores, salas, becos sem saída (“Essa escola não acaba mais, droga!”) até que voltou ao início de onde começou a correr. Parou para respirar, pois tinha uma boa dianteira, mas não tardou muito para os quatro o alcançarem, todos muito suados e ofegando.
– Esse... é o... seu fim... novato!
Seth realmente sentiu que esse era seu fim. Os quatro rapidamente o encurralaram, fechando um círculo entre ele. O grandão o segurou pela gola da camisa e o levantou. O garoto percebeu como o atacante era alto.
– Vai aprender a fazer o que eu mando, novato – disse ele, rindo – Pense nisso como um presente de boas-vindas.
Sua mão roliça se ergueu no ar e veio na direção de Seth. Os dois se chocaram num movimento doloroso e o garoto saiu voando para cima, seus óculos foram parar longe. E, com um baque surdo, Seth bateu de barriga para baixo no piso do pátio.
A dor era grande e, como se não bastasse, pisaram nas suas costas e ergueram sua cabeça. Depois de certificarem que as costas de Seth tinham estalado, arrancaram sua touca e seus cabelos loiros brilharam à luz dos três Sóis.
Sua cabeça caiu pesadamente no chão. Alguém às suas costas agarrou-a e passou a batê-la incessantemente enquanto os outros três o chutavam com toda a força. Quando Seth já estava achando que ninguém estava vendo o que acontecia, uma voz firme falou:
– Roger! Pare com isso imediatamente!
De repente soltaram sua cabeça e ela caiu no chão.
– O que pensa que estava fazendo?
– Me desculpe Diretor Baxter, eu... – se desculpou Roger, o líder do quarteto.
– Já chega! Para a diretoria, os quatro! Isso não é uma atitude que se faça! Providenciarei que sejam suspensos se tiverem sorte! – E então, numa voz calma, estendeu a mão para Seth – Consegue se levantar?
O garoto segurou a mão do Sr. Baxter e levantou-se com a maior força que conseguiu reunir. Seu nariz doía muito e algo líquido e quente escorria dele. Para completar, alguma coisa no seu queixo ardia.
– Meus Deuses, olhe só para você! – comentou o diretor horrorizado – Acho que esse nariz está quebrado. Você está bem?
– Olhe diretor, nem tanto – disse ele, sentindo-se estropiado – Fui apanhado de surpresa quando eles simplesmente me atacaram, então...
Maior foi a surpresa para Seth foi quando o Sr. Baxter parou bruscamente de tentar erguê-lo, fazendo com que o garoto quase caísse novamente.
– Que m... – disse Seth e encarou o diretor.
O Sr. Baxter tinha uma expressão horrorizada no rosto. Olhava para o garoto como se ele fosse uma minhoca imunda que acabara de sair de um monte de fezes.
– Você... é... um... mestiço!
– Quê? – perguntou Seth.
– É verdade! – gritou uma menina esganiçada que parou para ver a cena – Olhe as orelhas dele!
Seth acariciou as orelhas pontudas para ver o que tinha de errado com elas. Então olhou para as pessoas que ali estavam e percebeu que as orelhas de todo mundo eram redondas.
– E olhe os olhos dele! – berrou um menino – São amarelos! E têm pupilas verticais!
– Minhas pupilas não são tão verticais, sabe – disse Seth com raiva.
Um burburinho começou. O Sr. Baxter limpava a mão que tinha segurado em Seth como se tivesse pegue em algo muito sujo. O garoto tentou falar, mas com o zumbido em seus ouvidos não deixou. Então gritou:
– O que é que tem de errado comigo, droga?!
O diretor voltou a encará-lo como antes, mas dessa vez um ódio descomunal tomou conta dele e falou, o que fez todos se calarem:
– Não posso aceitar essa aberração dentro da minha escola! Vamos, fora!
– Mas...
– Eu disse Fora!
Então todos ao redor começaram a berrar “Fora! Fora! Fora!” com os punhos para cima. Alguém às suas costas levantou-o com um tranco e o pôs de pé. Seth achava que não conseguiria ficar naquela posição, mas suas pernas adquiriram força repentinamente. Então alguma coisa espetou seu traseiro machucado e o garoto pôs-se a correr como um porco assustado.
– E nunca mais volte! – berrou o Sr. Baxter lá de trás.
Já estava alcançando o portão de entrada quando algo o puxou repentinamente para o lado; ele esperneou e berrou tentando se desvencilhar quando ouviu um sussurro conhecido em sua orelha.
– Calma Seth, sou eu, o Prof. Jackson.
O garoto olhou assustado para o professor. Pelos seus movimentos, parecia que estava fazendo algo contra a lei.
– Prof. Jackson?!
– Ssshhh, fale baixo, menino!
– O que aconteceu ali? – perguntou Seth, sussurrando também.
– O diretor é bastante preconceituoso, realmente – respondeu ele – É, agora eu entendo o porquê do seu avô nunca ter deixado você ir para uma escola antes. Me desculpe por ter brigado com você na aula.
– Tudo bem, mas...
– Escute – interrompeu o professor – Vá para casa agora e não saia de lá até que a barra esteja limpa, certo?
– O que pode acontecer de errado? – perguntou Seth.
– É bem capaz do Sr. Baxter chamar a polícia, eles estavam premiando quem capturasse mestiços para eles.
– Quê?!
– Exatamente Seth – respondeu o Prof. Jackson – Os mestiços vêem sendo caçados desde os tempos de Lycan. Agora faça o que eu lhe mandei, garoto! Vá, vá, vá!
– Obrigado, professor. Por tudo.
– Vai logo, droga! – mandou ele – E boa sorte, sim?
O professor abriu o portão levemente, só o bastante para o garoto passar. Do lado de fora, Seth procurou o rosto do Prof. Jackson para dar uma piscada antes de ir embora, mas o mesmo já tinha sumido.